segunda-feira, 2 de julho de 2012

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Uma reflexão sobre a Dor da Interdição



Autor do texto: CARLOS VIEIRA
Contribuição de Eusébio Galvão Queirós

O ser humano vem ao mundo numa alternância de dor e prazer. A dor do parto, ainda que profunda e angustiante, anuncia a satisfação da existência da vida pós-uterina. Os gritos sucedâneos de uma mãe, as contrações uterinas e o choro aflito de um bebê se misturam com o sorriso e a alegria de um nascimento.
Com o nascimento vêm os impulsos, as necessidades e os desejos. Os primeiros movimentos instintuais e desejosos são em busca de sobrevivência, segurança física e psíquica. O ato de mamar revela a necessidade de aplacar a fome e ser acolhido afetivamente pela mãe. Essa experiência marca a equação ideal: o outro é aquele que satisfaz a minha necessidade e o meu desejo. Uso aqui, caro leitor, necessidade como algo corporal, físico, instintual; desejo com expressão do psíquico. Somos, afinal, seres psicossomáticos.
Feito esse preâmbulo, vou me restringir à experiência de interdição do desejo, da sua dor mental, consequências e alternativas criativas.
Vivemos de sonhos, fantasias e expectativas de vivencias satisfatórias. Ninguém, diga-se de passagem, deseja conscientemente sofrer ou ser privado de qualquer desejo. O mito da alma gêmea é a evidência da ânsia pela completude. Ser completo é não ter falta, não ter limitações, ter tudo e conseguir tudo, realizando desse modo um outro mito – o mito do paraíso. Paraíso no sentido de uma vida permanente em estado de prazer. Acontece que a realidade nem sempre atende àquilo que almejamos.
Uma mãe que gratifica é a mesma mãe que frustra – a vida começa assim. Um desejo é satisfeito e outro é interditado, não porque seja contra alguém, mas sim, por uma questão de impossibilidade real da satisfação. Instala-se dessa maneira a experiência de frustração do desejo. E agora, como procede a pessoa que se sente interditada? É claro que sente dor, dor psíquica. Sente na “própria pele” a impotência, a limitação, o vazio, a ausência da sua expectativa, a dor que Freud cunhou como angústia de castração, angústia da falta. No instante da “interdição do desejo” a mente mostra pelo menos duas alternativas: ou adiar e tentar alterar a realidade, para que a mesma possa atender ao desejo: alternativa criativa; ou enlouquecer de ódio e violência: alternativa destrutiva.
Inferimos aqui duas saídas: uma, como movimento criativo, sublimatório e sadio, ainda que atravessando e suportando a dor psíquica; outro, a recusa, o ódio à frustração, a incapacidade de tolerar e esperar, apontando para mecanismos psicopatológicos tais como: bulimia, anorexia, neuroses graves, psicoses, drogadições, roubo, crime etc.
A expressão poética de Manuel Bandeira, e sua competência em ter convivido com a dor mental, são um exemplo da alternativa criativa, acima mencionada. Deguste, caro leitor, a beleza desse poema, chamado de “Desencanto”:
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca
- Eu faço versos como quem morre.
A capacidade de pensar, a inspiração artística, a competência de conviver com momentos de desencantos, como nosso Poeta Maior, adiar o desejo e procurar alternativas possíveis, ainda que pequenas e limitadas, a ciência, a arte, a literatura e a “civilização dos instintos” (Freud), são expressões sadias de uma mente que não sucumbiu à interdição.
O psicanalista Juan-David Nasio, em seu belo livro “O livro da dor e do amor” (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1977), escreve no começo do seu texto uma frase brilhante e realista: “O amor é uma espera e a dor, a ruptura súbita e imprevisível da espera.”
Passeando por questões relativas à impossibilidade de realizar – o desejo – Nasio aponta para uma saída: “Vê-se bem que a carência não é apenas um vazio que aspira o desejo; ela é também um polo organizador do desejo. Sem carência, quero dizer, sem esse núcleo atraente que é a insatisfação, o impulso circular do desejo se perturbaria e então só haveria dor. Vamos nos expressar de outra maneira. Se a insatisfação é viva, mas suportável, o desejo continua ativo e o sistema psíquico continua estável”.
Ainda vale a pena ter Esperança! Algum leitor pode me achar um “romântico beleza”. Não, sou um romântico com idealismo por um mundo mais justo socialmente que acredita numa Justiça menos “cega”; que nutre a fantasia de realizar sonhos quase impossíveis; que ainda nutre a possibilidade de uma reforma política sem ingerência de corrupções e falta de ética; que visualiza ainda a possibilidade de o homem não destruir tanto a si próprio nem ao seu Planeta Terra. Que a Rio+20 não tenha naufragado na Baía da Guanabara.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasilia e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.


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