segunda-feira, 2 de julho de 2012

O MILAGRE


 Texto escrito por Áurea Magalhães

A casa de Vera é muito bem arrumada, televisão com parabólica, ventiladores, banheiro de luxo, chuveiro quente, plantas naturais, decorando a sala. O jardim, cuidado por Dona Vitória, com predominância do verde das samambaias gigantes, contrastava  com o vermelho rubro  do flamboyant florescido. O vento da praia soprava pelas janelas, trazendo mais ar puro e tranqüilidade para o ambiente.
 Abastecemos a geladeira para maior comodidade dos visitantes. Quando lá chegamos, à noite  com toda a comitiva, ouvimos do casal: _"Hotel de cinco estrelas!"
 A visitante ficou impressionada com a nossa hospitalidade e sentimos o maior alívio com aquela instalação. Na programação turística, oferecida aos visitantes, fez parte a história sobre o Pontal, a destruição do mar, a Ilha da Convivência, os holandeses, a pesca , a  Igreja da Penha, São João da Barra, o conhaque, etc. Henrique, como bom motorista, passou por esses locais a 70 km. Foi um vapt... vupt....
Célia insistia que eu contasse toda a história de Atafona e sua destruição, com riqueza de detalhes, mas Henrique não dava tempo para nós. Mostramos os estragos causados pelo mar, casas soterradas, ferros dentro d'água
e avançamos, com certo exagero em informações, sobre as próximas ressacas.

Os amigos, com os olhos esbugalhados, nos ouviam, impressionados, deixando transparecer pavor em suas expressões com os fatos relatados e manifestaram o desejo de se afastar do local, de imediato.
 Célia ofereceu à visitante, uma peça artesanal em conchas, feita pelos moradores da localidade. Uma verdadeira obra de arte! O gesto   e as palavras de Célia emocionaram a todos.
 Á noite, após um jantar oferecido por Henrique, num dos restaurantes de Grussaí, retornaram a Atafona, para um merecido  descanso. Ficamos sabendo que o magistrado não conseguiu dormir, receoso do mar avançar e passar por  cima  deles, em casa de Vera, por isso, mal amanheceu, pularam da cama e retornaram a Grussaí.
 Tomamos nossos postos na cozinha, para adiantar o almoço, que segundo Célia, seria uma culinária espanhola preparada por Dona Maria  e que encheu os olhos da visitante, despertando o desejo de ficar para o almoço.
 O calor era grande e o visitante, já sem camisa, andava impaciente pela varanda, quando a babá com os olhos arregalados, me chamou no canto e, sigilosamente, balbuciou no meu ouvido:
_O velho mor-reu!....
 Fiquei estatelada, sem querer acreditar, mas ela foi categórica e pediu para não contar a ninguém  que ela tinha revelado a tragédia. Aliás, foi a  primeira e única vez que a babá falou durante  os quinze dias que permaneceu entre nós.
 Atônita, vi o ancião esticado no sofá, de alvenaria, cadavérico, com as mãos entrelaçadas no peito, dando os últimos suspiros. Henrique espiava constrangido, atrás da porta. Célia, com a cara enfiada pela janela, estava apatetada. Dona Maria, olhando de longe só pronunciou:
_Xiiii!...
Heloizinha  olhava de canto e fingia que estava tudo bem.
A nobre visitante, sentada ao lado do esposo, colocava um comprimido embaixo da língua do enfartado, com a esperança de um milagre. Alguém abriu uma caixa de  bombons e esmigalhou, entre os dedos, e o colocou na boca do velho senhor, como intuito dele recuperar  as energias.                                 
Avisei a Célia, que ia atrás de uma ambulância para socorrê-lo e percebi que ela se reanimou com minha iniciativa. Sabia que achar esse socorro seria mais ou menos procurar uma agulha nas areias da praia. Nervosamente, me dirigi para a rua, sem saber para que lado correr, quando vi o caminhão dos paraibanos que vendem redes, com seu  possante  alto-falante a oferecer com o sotaque nortista a  sua mercadoria.
 A minha preocupação era remover imediatamente o corpo, para que não causasse um impacto maior entre todos  e o caminhão  era a salvação. Com suas redes, toalhas, estaria pelo menos, mais aconchegante para levar o corpo mais dignamente  e nem sabia para onde,  naquele momento.
 Atravessei a rua, correndo, e pulei na frente do veículo, gritando desesperadamente, para que parassem.
  Os ocupantes já desceram com suas mantas penduradas nos baços, abrindo redes, anunciando fraldas a R$10,00, numa gritaria enorme, com seu vocabulário regional, jogando tudo em cima de mim e descendo os preços para sugestionarem na venda. Esses comerciantes, peritos na arte do comércio, são capazes de levar horas argumentando nos preços. Foi assim que Célia me viu, rodeada pelos homens, com pacotes de fraldas caindo das minhas mãos e completamente absorvida  entre eles. Célia, com seu jeito espalhafatoso e me espinafrando esbravejou;
_ O que está fazendo aqui?O homem está morto e cadê a ambulância?
  Foi aí que voltei a realidade e, desolada, procurei esclarecer: _Mania de consumismo....
 De repente, vi Célia  subir na carroceria do veículo e se contagiando com a propaganda dos nordestinos, passou a comprar toalhas.
Dona Maria correu a nossa procura e se enfiou no meio das mercadorias, em busca de uma rede amarela.
Quando retornamos à casa parecíamos três loucas, cheias de compras, e vimos a quase vítima mexer os pés, as mãos e ficamos aliviadas  com a recuperação milagrosa do ancião.
 Colocamos o almoço na mesa, que não tinha nada de culinária espanhola e o ancião visitante comeu tanto que chegamos a conclusão de que o velho ouviu muita conversa e que  quase morreu foi de fome.
 Nas despedidas, a visitante abraçou  eu e Célia, dizendo, para nossa surpresa:
_ Vocês são maravilhosas! Vamos visitá-las em Uruana.
Dessa  vez, fomos nós que quase enfartamos.                      

Um comentário:

  1. Célia
    Adorei sua história e o jeito de você contá-la.
    Que susto, heim??? E se o velhinho tivesse morrido? Vocês se livraram sim, de uma boa confusão.
    Um beijo
    Juju

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