sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Generosidades Invertidas





Texto escrito por Cristovam Buarque, professor da UnB e senador pelo PDT-DF. O Globo


O Brasil começa com um gesto de generosidade invertida: civilizar os índios, explorando sua mão de obra e obrigando-os a converter suas almas a uma religião que lhes era estranha.
Depois de quatro séculos, o Brasil começou a ser generoso com os escravos africanos: fez a Lei do Ventre Livre. Os filhos de escravos seriam libertos, mas as mães continuavam escravas. Houve a generosidade também com os velhos escravos, quando já não poderiam mais trabalhar.
A Lei Áurea foi outra de nossas generosidades: os escravos já não poderiam ser vendidos, nem obrigados ao trabalho forçado, mas não lhes demos terra para produzir a própria comida, nem escolas a seus filhos.
Mais recentemente, quase no quinto centenário da existência do país, fomos generosos estabelecendo um salário mínimo. Mas tão mínimo que sempre foi insuficiente para cobrir os custos básicos dos serviços e bens essenciais.
Para não ficar sem trabalhadores há outra generosidade: o vale-refeição. As famílias ficavam sem comida, mas os trabalhadores recebiam a comida que o salário não permitia.
Durante a escravidão fomos generosos oferecendo “casa” para os escravos: as senzalas fétidas e insalubres.
Quando a industrialização pôs os trabalhadores morando distantes do lugar do trabalho, e o salário não permitia pagar passagem de ônibus, oferecemos, generosamente, vale-transporte, mesmo que no final de semana ele e a família não possam visitar parentes ou passear no centro da cidade.
Temos sido generosos ao oferecer renúncia fiscal no cálculo do Imposto de Renda para financiar escolas particulares, inclusive dos filhos de ricos, em um valor superior ao gasto médio anual por criança na escola pública, sobretudo dos filhos de pobres.
Generosamente oferecemos Bolsa Família, mas não nos comprometemos em emancipar os pobres da necessidade de bolsas.
Generosamente não oferecemos creches e pré-escolas para nossas crianças, provocando desespero em milhares de mães que precisam trabalhar, por serem obrigadas a deixar seus filhos com outros filhos ou com vizinhos.
Generosamente oferecemos também cotas para facilitar o ingresso de jovens negros na universidade, mas não fazemos o esforço necessário para erradicar o analfabetismo que tortura cerca de 11 milhões de brasileiros, em sua grande maioria de negros e pardos.
Somos generosos facilitando o endividamento de famílias da Classe C para comprar carros a serem pagos em até 100 meses, sem IPI, mas não eliminamos impostos sobre a cesta básica, nem melhoramos o transporte público para todas as classes, inclusive D e E.
Nossa generosidade chega ao cúmulo ao gastarmos muitos bilhões de reais para fazer no Brasil as Copas e as Olimpíadas, que nossos pobres vão assistir pela televisão, e não adotamos o compromisso de investir os Royalties do petróleo na educação de nossas futuras gerações.
Somos um país coerente, com cinco séculos de generosidade seletiva invertida, ou pervertida.

Primeiro sinal da crise




Texto escrito por Áurea Magalhães de Sousa

Do aeroporto ao Hotel Roma em Lisboa, fomos conduzidos por um funcionário da Lusanova que nos recebeu dando as boas vindas em Portugal. Rapaz educado, atencioso, muito gentil e com o português bem entendido por nós. Sentimos que estávamos em casa. Durante o percurso ele mostrou-se amável e já adiantava algumas informações, inclusive que um guia estaria nos  esperando na porta do  hotel.
O grupo ainda estava se formando no hotel, quando eu, Vera, o casal Floripa e as cariocas resolvemos nos adiantar fazendo um tour pela cidade com outra empresa.
Fomos recebidos por um português, que falava rapidamente, com voz grossa e de difícil compreensão. Um brasileiro, educadamente, pediu para ele falar mais devagar. Mas a resposta foi grosseira: _ Vocês não sabem falar português. 
Todos ficaram assustados com a reação daquele senhor. Pensei que seria muito fácil para comunicarmos na mesma língua, mas nem sempre foi assim. Achei a nossa maneira de falar mais alegre, tranquila, sonora e compreensível. 
O português continuou resmungando alguma coisa e mal humorado deixou a entender que não gostava mesmo de se comunicar com os brasileiros.
Outro brasileiro se desculpou e pediu para ele repetir o que havia falado. Exaltado, ele nos surpreendeu com a resposta: _ Já falei e não vou repetir.
Não queríamos acreditar no que ouvimos e começamos a sentir que estávamos sendo desprestigiados. E perguntei para Vera:_Qual língua falamos?
Vera sem pestanejar e com muita personalidade falou alto e em bom tom para todos que quisessem ouvir: _ Falamos a língua brasileira!
Fiquei a pensar como bagunçamos a nossa língua, a ponto de não entendermos os nossos irmãos portugueses. Uma brasileira sentindo-se ofendida deu o troco para aquele senhor: _ Aprendemos a falar o português com vocês. Nosso professor foram os portugueses presidiários, sem instrução,  que  mandaram para colonizar a nossa terra.
Outra conterrânea também contagiada pelas emoções, acrescentou: _Levaram  o nosso ouro e a nossa madeira.                       
_ E o seu rei, que fugiu de Napoleão e foi se refugiar no Brasil!...
Uma carioca completou: _ Quer pior exemplo que Dom. Pedro l?
E assim os nossos companheiros rebatiam os argumentos daquele senhor. Mas quando ele ouviu falar em D. Pedro l, deu a sua investida rancorosa e nos provocando falou: _ Vocês não sabem nada, tudo errado. Ele nunca foi Pedro l, ele é Pedro lV.
Foi aí que Vera, procurando acalmar os ânimos e como pedagoga deu a sua aula: _ Senhor, o Brasil era uma monarquia e D. Pedro l foi o nosso primeiro príncipe, se ele era o primeiro não podemos chamar de quarto. E a língua brasileira é o resultado de uma miscigenação. Nós tivemos influência na cor, gastronomia, música, religião, costumes, de muitos povos que formaram o nosso país.
O português mal humorado ainda quis superar com os seus argumentos: _ Nós somos raça pura.
Nessa hora, Vera subiu nas tamancas: _ Pelo amor de Deus, não me venha com essa! Foi com a paranoia de “raça pura” que os nazistas produziram o terrível holocausto. O senhor se esquece de que os árabes já dominaram a Península Ibérica e deixaram, felizmente, grande marca na cultura portuguesa.
                 Eu já estava tirando Vera daquele bate-boca inflamado, quando resolvi colocar um ponto final naquele blá-blá: _ Senhor, quando tudo se mistura, tudo se completa.
Um funcionário do hotel que a tudo assistia não agradou da atitude do guia, ligou para a Lusanova e pediu de imediato a troca do funcionário. A nova guia não demorou muito a chegar, se desculpou e falou que a crise em Portugal estava deixando alguns portugueses com os ânimos exaltados.
Fizemos amizade com muitos portugueses que atravessaram os nossos caminhos, mas os mais exaltados, com o jeitinho brasileiro, nós fomos conquistando.
Fechamos a nossa excursão com chave de ouro com a nossa última guia, a portuguesinha Joana. Moça bonita, alegre, atenciosa, delicada, com bons conhecimentos e falando a nossa língua “brasileira”. Não me esqueci de suas primeiras palavras ao entrar no ônibus: _ Meu nome é Joana, especializada em guia de brasileiros. Vou seguir com vocês para a Espanha. Com muito carisma ela conquistou não só os nossos corações, mas também  dos colombianos, mexicanos, chilenos, argentinos e até de CORINTIANOS, como o nosso paulista Manoel, que extravasou a sua alegria cantando o hino do seu timão: _ Salve o Coríntians, o  maior dos campeões...
                Realmente, Joana fez a diferença. Com a sua simpatia, com o nosso sotaque e dona de uma voz melodiosa, se integrou com todo o grupo aproximando-nos mais e dali para frente tudo foi festa.



POR QUE O SAPO NÃO LAVA O PÉ?




Texto de autor desconhecido, colaboração de Sávio Gomes.

 Explicações de vários estudiosos...

Olavo de Carvalho: O sapo não lava o pé. Não lava porque não quer. Ele mora lá na lagoa, não lava o pé porque não quer e ainda culpa o sistema, quando a culpa é da PREGUIÇA. Este tipo de atitude é que infesta o Brasil e o Mundo, um tipo de atitude oriundo de uma complexa conspiração moscovita contra a livre-iniciativa e os valores humanos da educação e da higiene!
Karl Marx: A lavagem do pé, enquanto atividade vital do anfíbio, encontra-se profundamente alterada no panorama capitalista. O sapo, obviamente um proletário, tendo que vender sua força de trabalho para um sistema de produção baseado na detenção da propriedade privada pelas classes dominantes, gasta em atividade produtiva alienada o tempo que deveria ter para si próprio. Em conseqüência, a miséria domina os campos, e o sapo não tem acesso à própria lagoa, que em tempos imemoriais fazia parte do sistema comum de produção.
Friedrich Engels: isso mesmo.
Michael Foucault: Em primeiro lugar, creio que deveríamos começar a análise do poder a partir de suas extremidades menos visíveis, a partir dos discursos médicos de saúde, por exemplo. Por que deveria o sapo lavar o pé? Se analisarmos os hábitos higiênicos e sanitários da Europa no século XII, veremos que os sapos possuíam uma menor preocupação em relação à higiene do pé – bem como de outras áreas do corpo. Somente com a preocupação burguesa em relação às disciplinas – domesticação do corpo do indivíduo, sem a qual o sistema capitalista jamais seria possível – é que surge a preocupação com a lavagem do pé. Portanto, temos o discurso da lavagem do pé como sinal sintomático da sociedade disciplinar.
Max Weber: A conduta do sapo só poderá ser compreendida em termos de ação social racional orientada por valores. A crescente racionalização e o desencantamento do mundo provocaram, no pensamento ocidental, uma preocupação excessiva na orientação racional com relação a fins. Eis que, portanto, parece absurdo à maior parte das pessoas o sapo não lavar o pé. Entretanto, é fundamental que seja compreendido que, se o sapo não lava o pé, é porque tal atitude encontra-se perfeitamente coerente com seu sistema valorativo – a vida na lagoa.
Friedrich Nietzsche: Um espírito astucioso e camuflado, um gosto anfíbio pela dissimulação - herança de povos mediterrâneos, certamente - uma incisividade de espírito ainda não encontrada nas mais ermas redondezas de quaisquer lagoas do mundo dito civilizado. Um animal que, livrando-se de qualquer metafísica, e que, aprimorando seu instinto de realidade, com a dolcezza audaciosa já perdida pelo europeu moderno, nega o ato supremo, o ato cuja negação configura a mais nítida – e difícil – fronteira entre o Sapo e aquele que está por vir, o Além- do-Sapo: a lavagem do pé.
John Locke: Em primeiro lugar, faz-se mister refutar a tese de Filmer sobre a lavagem bíblica dos pés. Se fosse assim, eu próprio seria obrigado a lavar meus pés na lagoa, o que, sustento, não é o caso. Cada súdito contrata com o Soberano para proteger sua propriedade, e entendo contido nesse ideal o conceito de liberdade. Se o sapo não quer lavar o pé, o Soberano não pode obrigá-lo, tampouco recriminá-lo pelo chulé. E ainda afirmo: caso o Soberano queira, incorrendo em erro, obrigá-lo, o sapo possuirá legítimo direito de resistência contra esta reconhecida injustiça e opressão.
Immanuel Kant: O sapo age moralmente, pois, ao deixar de lavar seu pé, nada faz além de agir segundo sua lei moral universal apriorística, que prescreve atitudes consoantes com o que o sujeito cognoscente possa querer que se torne uma ação universal.
Nota de Freud: Kant jamais lavou seus pés.
Sigmund Freud: Um superego exacerbado pode ser a causa da falta de higiene do sapo. Quando analisava o caso de Dora, há vinte anos, pude perceber alguns dos traços deste problema. De fato, em meus numerosos estudos posteriores, pude constatar que a aversão pela limpeza, do mesmo modo que a obsessão por ela, podem constituir-se num desejo de autopunição. A causa disso encontra-se, sem dúvida, na construção do superego a partir das figuras perdidas dos pais, que antes representavam a fonte de todo conteúdo moral do girino.
Carl Jung: O mito do sapo do deserto, presente no imaginário semita, vem a calhar para a compreensão do fenômeno. O inconsciente coletivo do sapo, em outras épocas desenvolvido, guardou em sua composição mais íntima a idéia da seca, da privação, da necessidade. Por isso, mesmo quando colocado frente a uma lagoa, em época de abundância, o sapo não lava o pé.
Soren Kierkegaard: O sapo lavando o pé ou não, o que importa é a existência.
George Hegel: podemos observar na lavagem do pé a manifestação da Dialética. Observando a História, constatamos uma evolução gradativa da ignorância absoluta do sapo – em relação à higiene – para uma preocupação maior em relação a esta. Ao longo da evolução do Espírito da História, vemos os sapos se aproximando cada vez mais das lagoas, cada vez mais comprando esponjas e sabões. O que falta agora é, tão somente, lavar o pé, coisa que, quando concluída, representará o fim da História e o ápice do progresso.
Auguste Comte: O sapo deve lavar o pé, posto que a higiene é imprescindível. A lavagem do pé deve ser submetida a procedimentos científicos universal e atemporalmente válidos. Só assim poder-se-á obter um conhecimento verdadeiro a respeito.
Arthur Schopenhauer: O sapo cujo pé vejo lavar é nada mais que uma representação, um fenômeno, oriundo da ilusão fundamental que é o meu princípio de razão, parte componente do principio individuationis, a que a sabedoria vedanta chamou "véu de Maya". A Vontade, que o velho e grande filósofo de Königsberg chamou de Coisa-em si, e que Platão localizava no mundo das idéias, essa força cega que está por trás de qualquer fenômeno, jamais poderá ser capturada por nós, seres individuados, através do princípio da razão, conforme já demonstrado por mim em uma série de trabalhos, entre os quais o que considero o maior livro de filosofia já escrito no passado, no presente e no futuro: "O mundo como vontade e representação".
Aristóteles. O [sapo] lava de acordo com sua natureza! Se imitasse, estaria fazendo arte . Como [a arte] é digna somente do homem, é forçoso reconhecer que o sapo lava segundo sua natureza de sapo, passando da potência ao ato. O sapo que não lava o pé é o ser que não consegue realizar [essa] transição da potência ao ato.
Platão:
Górgias: Por Zeus, Sócrates, os sapos não lavam os seus pés porque não gostam da água!
Sócrates: Pensemos um pouco, ó Górgias. Tu assumiste, quando há pouco dialogava com Filebo, que o sapo é um ser vivo, correto?
Górgias: Sou forçado a admitir que sim.
Sócrates: Pois bem, e se o sapo é um ser vivo, deve forçosamente fazer parte de uma categoria determinada de seres vivos, posto que estes dividem-se em categorias segundo seu modo de vida e sua forma corporal; os cavalos são diferentes das hidras e estas dos falcões, e assim por diante, correto?
Górgias: Sim, tu estás novamente correto.
Sócrates: A característica dos sapos é a de ser habitante da água e da terra, pois é isso que os antigos queriam dizer quando afirmaram que este animal era anfíbio, como, aliás, Homero e Hesíodo já nos atestam. Tu pensas que seria possível um sapo viver somente no deserto, tendo ele necessidade de duas vidas por natureza,ó Górgias?
Górgias: Jamais ouvi qualquer notícia a respeito.
Sócrates: Pois isto se dá porque os sapos vivem nas lagoas, nos lagos e nas poças, vistos que são animais, pertencem e uma categoria, e esta categoria é dada segundo a característica dos sapos serem anfíbios.
Górgias: É verdade.
Sócrates: precisando da lagoa, ó Górgias meu caro, tu achas que seria o sapo insano o suficiente para não gostar de água?
Górgias: não, não, não, mil vezes não, Ó Sócrates!
Sócrates: Então somos forçados a concluir que o sapo não lava o pé por outro motivo, que não a repulsa à água
Górgias: de acordo
Diógenes, o Cínico: Dane-se o sapo, eu só quero tomar meu sol.
Parmênides de Eléia: Como poderia o sapo lavar os pés, ó deuses, se o movimento não existe?
Heráclito de Éfeso: Quando o sapo lava o pé, nem ele nem o pé são mais os mesmos, pois ambos se modificam na lavagem, devido à impermanência das coisas.
Epicuro: O sapo deve alcançar o prazer, que é o Bem supremo, mas sem excessos. Que lave ou não o pé, decida-se de acordo com a circunstância. O vital é que mantenha a serenidade de espírito e fuja da dor.
Estóicos: O sapo deve lavar seu pé de acordo com as estações do ano. No inverno, mantenha-o sujo, que é de acordo com a natureza. No verão, lave-o delicadamente à beira das fontes, mas sem exageros. E que pare de comer tantas moscas, a comida só serve para o sustento do corpo.
Descartes: nada distingo na lavagem do pé senão figura, movimento e extensão. O sapo é nada mais que um autômato, um mecanismo. Deve lavar seus pés para promover a autoconservação, como um relógio precisa de corda.
Nicolau Maquiavel: A lavagem do pé deve ser exigida sem rigor excessivo, o que poderia causar ódio ao Príncipe, mas com força tal que traga a este o respeito e o temor dos súditos. Luís da França, ao imperar na Itália, atraído pela ambição dos venezianos, mal agiu ao exigir que os sapos da Lombardia tivessem os pés cortados e os lagos tomados caso não aquiescessem à sua vontade. Como se vê, pagou integralmente o preço de tal crueldade, pois os sapos esquecem mais facilmente um pai assassinado que um pé cortado e uma lagoa confiscada.
Jacques Rousseau: Os sapos nascem livres, mas em toda parte coaxam agrilhoados; são presos, é certo, pela própria ganância dos seus semelhantes, que impedem uns aos outros de lavarem os pés à beira da lagoa. Somente com a alienação de cada qual de seu ramo ou touceira de capim, e mesmo de sua própria pessoa, poder-se-á firmar um contrato justo, no qual a liberdade do estado de natureza é substituída pela liberdade civil.
Max Horkheimer e Theoror Adorno: A cultura popular diferencia-se da cultura de massas, filha bastarda da indústria cultural. Para a primeira, a lavagem do pé é algo ritual e sazonal, inerente ao grupamento societário; para a segunda, a ação impetuosa da razão instrumental, em sua irracionalidade galopante, transforma em mercadoria e modismo a lavagem do pé, exterminando antigas tradições e obrigando os sapos a um procedimento diário de higienização.
Antonio Gramsci: O sapo, e além dele, todos os sapos, só poderão lavar seus pés a partir do momento em que, devido à ação dos intelectuais orgânicos, uma consciência coletiva principiar a se desenvolver gradativamente na classe batráquia. Consciência de sua importância e função social no modo de produção da vida. Com a guerra de posições - representada pela progressiva formação, através do aparato ideológico da sociedade civil, de consensos favoráveis – serão criadas possibilidades para uma nova hegemonia, dessa vez sob a direção das classes anteriormente subordinadas.
Norberto Bobbio: existem três tipos de teoria sobre o sapo não lavar o pé. O primeiro tipo aceita a não-lavagem do pé como natural, nada existindo a reprovar nesse ato. O segundo tipo acredita que ela seja moral ou axiologicamente errada. A terceira espécie limita-se a descrever o fenômeno, procurando uma certa neutralidade.
Liberal de Orkut (esse indivíduo cada vez mais anônimo): o sapo não lava o pé por ser um indivíduo liberto da opressão estatal. Mas qualquer coisa é só arrumar um emprego público e utilizar o lavado do Leviatã!
Autor desconhecido
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A VISITA DE DOM PEDRO II




Texto escrito pelo Professor Luiz Magalhães

         Quando Dom Pedro II foi a Conservatória para inaugurar a Estação de Trem da Leopoldina Railway que ligava o Rio de Janeiro ao Oeste de Minas Gerais, a aristocracia rural da localidade, que na época se chamava Santo Antônio do Rio Bonito, se reuniu na véspera de tão honrosa visita, para discutir detalhes da recepção e como proceder no momento em que Sua Majestade, O Imperador desses Brasis, manifestasse o desejo explícito de fazer suas necessidades fisiológicas.
         Como naquele tempo os jornais da metrópole não chegavam à vila, pois ao que consta, a única pessoa alfabetizada e que sabia escrever era o Coronel da Guarda Nacional, cidadão português, Antônio Moreira Coelho de Magalhães, meu bisavô, alcaide e escrivão do povoado, dono das duas melhores fazendas e de muitos escravos, ficou com a incumbência de hospedá-lo na sua residência de dezesseis quartos e um amplo salão ainda existente e preservado.
         Com relação à higiene pessoal do Imperador, as lideranças locais acharam que não seria de bom alvitre oferecer a Sua Alteza um imponente sabugo de milho ou mesmo folhas de bananeira, pois papel higiênico é coisa da modernidade.
         Na discussão, o Comendador Onofre teve a brilhante idéia, submetida e aprovada em Assembléia Geral dos Fidalgos, de se colocar um escravo de plantão permanente, munido de um balde de água com sabão e pétalas de rosas e uma brocha, agachado dentro da cova, tendo como assento o caixote de bacalhau do Porto, com a incumbência de fazer a assepsia da pudenda região do ilustre visitante.
         Depois de muitos discursos de saudações, foi servido um lauto almoço onde não faltou a tradicional leitoa mineira bem tostada, acompanhada de feijão tropeiro e torresmos ao queijo parmesão, nada mais natural que Sua Majestade fosse acometida de uma forte diarréia.
         _ Onde eu faço cocô? Perguntou discretamente aos ouvidos do anfitrião, Dom Pedro II.
         Acompanhado pelo José Nossar, ilustre fidalgo da vila, Sua Majestade se dirigiu à “casinha”.
         Terminada a expulsão dos excrementos reais, o escravo entrou em ação com a brocha encharcada de água espumosa e perfumada com pétalas de rosas, lavando com esmero o “fusquete” do espantado Imperador.
         _ Tempos modernos, meu caro Nossar! Vou levar essa novidade, esse avanço tecnológico para a Corte! – disse Dom Pedro II.
         Segundo explicações do Imperador, na Corte, ainda era hábito o uso das folhas secas de bananeira, grande descoberta que Cabral levou para Portugal.
         Quando Cabral desembarcou aqui na Terra de Vera Cruz, entre muitos surpreendentes “achamentos” por essas bandas e, que, lhe causou mais admiração foi a bananeira. No retorno a Portugal, relatou para El Rei Dom Manuel I:
         _ Tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há  de por mais do que aquilo que vi e me pareceu . De todas as coisas que encontrei que, me pareceu de mais utilidade para a Coroa, foi sem dúvida a bananeira.
         Estava eu Vossa Alteza, num domingo de Paschoela, entre oito e nove horas da manhã observando o mar quebrar na costa, quando de repente, com a devida licença de Vossa Alteza, fui acometido de uma forte dor de barriga. Dirigi-me ao “mato” como é costume das pessoas civilizadas, tomando o devido cuidado para que os “bugres e os tripulantes do navio não vissem expostas as “minhas vergonhas”. Escolhi uma formosa árvore até então minha desconhecida nas expedições que comandei para Vossa Alteza, para me ocultar. Enquanto aliviava os meus intestinos, uma preocupação terrível se passava em minha cabeça. Como me assear depois daquele ato? Já ia usar o barrete vermelho que cobria a minha cabeça quando me ocorreu a luminosa idéia, Vossa Alteza. Que tal usar as folhas dessa árvore? Confesso a Vossa Alteza que uma preocupação me ocorreu na hora. Será que ela arde como urtiga? Num ato heróico experimentei aquela folha, Vossa Alteza, e para surpresa minha ela deslizou suave e macia. Com as minhas desculpas, salvo equívoco, creio Vossa Alteza que fiz a maior descoberta para o Vosso Reino. Acredito que tais folhas poderão fazer muito sucesso na Corte francesa carreando divisas para o Vosso Reino.
         De regresso ao Rio de Janeiro, Dom Pedro II, em carta, manifestou regozijo pela recepção e promovendo Santo Antônio do Rio Bonito como cidade, muito freqüentada por turistas devido ao seu clima ameno. No governo de Getúlio Vargas, Conservatória foi rebaixada a distrito de Valença.
         Belos tempos. Tempos românticos que não voltam mais. Pilões, realejos, lampiões, fogão de lenha, charretes, carros de boi, saraus, cantigas de roda, tudo ficou num passado que eu ainda alcancei.

                                     Luiz Magalhães


Nota explicativa – Meus ancestrais portugueses e ingleses desembarcaram  no porto de São João da Barra. Depois de alguns anos mudaram para Piraí e posteriormente Conservatória. Como Yvany e suas amigas foram conhecer Conservatória, não tive tempo de contar muitas histórias sobre a vila onde morei.
        
              

São Jorge de Bordel




Texto escrito por Augusto Nunes, extraído do seu próprio blog.

O São Jorge de bordel nem desconfia que farra foi longe demais e a
casa pode cair.

Em agosto de 2005, publiquei no Jornal do Brasil, com o título "São
Jorge de Bordel", o seguinte artigo:

Antes da revolução dos costumes desencadeada nos anos 60, era bem
menos divertida a vida de adolescente em cidade pequena. As moças se
casavam virgens, motel só aparecia em filme americano, drive-in era
coisa da capital. A esfregação nunca ia muito longe. E também os
jovens nada saberiam de sexo se não houvesse uma zona em qualquer
município com mais de 10 mil habitantes.

Ninguém chamava pelo nome completo ─ zona do meretrício ─ aquele
punhado de casas com uma luz vermelha na varanda, plantadas no difuso
território onde a cidade já acabou sem que o campo tenha começado. O
mobiliário se limitava à mesa com cinco ou seis cadeiras, um sofá,
três ou quatro poltronas e uma vitrola antiga. Às vezes, nem isso. O
que não podia faltar eram a cama de casal em cada quarto e o quadro de
São Jorge na parede da sala.

Bonito, aquilo. Os trajes de guerreiro, o corcel colérico, a lança em
riste, o dragão subjugado, as imagens beligerantes contrastavam
esplendidamente com a expressão beatífica. Todo santo de retrato é
sereno, mas nenhum se mete com monstros que soltam fogo pelas ventas.
Só um São Jorge de bordel poderia arrostar tamanho perigo com aquela
placidez que sublinhava o espetáculo da coragem.

Concentrado no duelo tremendo, o exterminador de dragões não prestava
a menor atenção no que acontecia fora do retrato. Na sala, prostitutas
e clientes negociavam o acerto que os levaria a algum dos quartos
escurecidos pela meia-luz que eternizava o crepúsculo. Deles não
paravam de chegar sons muito suspeitos, mas o santo guerreiro nada
ouvia. Estava na parede para proteger a zona do meretrício, não para
vigiá-la. Quem luta com dragões não perde tempo com batalhas de
alcova.

São Jorge de bordel era chamado naquele tempo todo homem que mantinha
a cara de paisagem enquanto desfilavam a um palmo do nariz
iniqüidades, bandalheiras e delinqüências. O filho abandonara os
estudos, a filha se apaixonara pelo cafajeste do bairro, a mulher
vivia arrastando vizinhos para o quarto do casal, o sobrinho furtava
as economias da avó — e a tudo seguia indiferente o chefe de família.
Como um São Jorge de bordel.

Como um São Jorge de bordel sempre agiu Luiz Inácio Lula da Silva. O
advogado Roberto Teixeira nunca lhe cobrou aluguel pela casa onde Lula
viveu durante oito anos. O inquilino fez de conta que nem notou. Em
2002, sobrou o dinheiro que faltara às campanhas anteriores. Lula não
fez perguntas sobre o milagre. Tampouco quis saber quem financiara a
milionária festa da vitória na Avenida Paulista.

Instalado no gabinete presidencial, não enxergou as agudas mudanças na
paisagem. Bons parceiros como Djalma Bom estacavam na secretária do
ajudante de ordens. Entravam sem bater na sala presidencial aliados
como Pedro Correia ou Valdemar Costa Neto. Fundadores do PT eram
expulsos do partido. Roberto Jefferson ganhava cheques em branco.

Sílvio Pereira e Delúbio Soares se tornaram clientes assíduos da casa,
ganharam salas para negociar com a freguesia, assimilaram hábitos de
novo-rico. Lula não ouviu o ronco do Land Rover de Silvinho nem a
barulheira dos jatinhos de Delúbio. Não percebeu que sindicalistas
promovidos a diretores de banco agora usavam gravata borboleta.

Despertado pelo ruído provocado por Waldomiro Diniz, voltou a dormir
depois das explicações sussurradas por José Dirceu. Lula não ouviu o
governador de Goiás, Marconi Perillo, assombrado com a desenvoltura
dos trambiqueiros aliados que tentavam comprar mais deputados. Não
quis ouvir a mesma denúncia repetida por Roberto Jefferson. Não
enxergou a expansão do pântano. Não viu as marcas de lama nos tapetes
do Planalto.

Num prostíbulo de antigamente, a figura protetora desceria da parede
para botar ordem na casa. No Brasil submerso na crise, o presidente só
quebra o silêncio de São Jorge de bordel para berrar improvisos
insensatos. Em seguida, volta ao retrato. Que outros santos nos
socorram.

Passados sete anos, o São Jorge de São Bernardo segue fingindo que de
nada soube, nada viu e nada ouviu. A fila dos mensaleiros condenados
aumenta. Marcos Valério começou a abrir a medonha caixa preta. Pela
primeira vez, uma alta patente da quadrilha confirmou que falta alguém
no banco dos réus do Supremo. Nem assim o chefe da seita se anima a
falar em mensalão. Acha que vai ficar pendurado na parede até o fim
dos tempos. Não percebeu que a farra na zona foi longe demais. Nem
desconfia que a casa pode cair a qualquer momento.

(extraído do Blog de Augusto Nunes)