quarta-feira, 4 de julho de 2012

CRÔNICA DE UMA REVOLUÇÃO ANUNCIADA



Texto escrito por Agenor  Portelli Magalhães

FUI PRESO, TORTURADO E  HUMILHADO, Memórias de um ex-esquerdista
2005

Iniciava-se o ano de 1964. Eu havia colado grau no final de 1963.
Enquanto procurava emprego reunia-me com os colegas da faculdade para discutirmos o mercado de trabalho e os rumos do país.
Estávamos uma noite no Chalé, na praia de Icaraí, bar cult da época. Já havíamos entornado vários copos de chope  quando encosta o camburão do DOPS.
Havia muita tensão na época, os diretórios acadêmicos dominados pelos comunistas, comunistas esses que eu ajudara a colocar lá quando ainda na faculdade, greves de sindicatos, comícios contra o capitalismo e o escambau à quatro. João Goulart não tinha mais o controle institucional do país. Era uma anarquia geral. Mandavam  os sindicatos, também nas mãos dos comunistas, enquanto nas forças armadas o Almirante Aragão  insuflava os marinheiros à rebelião, subvertendo a hierarquia, tão cara aos militares. As ligas camponesas de Francisco Julião a avançar sobre propriedades privadas em ação  nefasta tal qual  o  MST de hoje.
Os policiais desceram do camburão e começaram a pedir documentos nas outras mesas. Estava com um mau pressentimento. Chegou a nossa vez e, um primo de Heloisa resolveu desafiar os policiais negando-se a entregar o documento de identidade que ele tinha,   afirmando que como estudante  podia portar tão somente a dita carteira de estudante. Aporrinhado, o policial dirigiu-se a mim, único a não puxar  documento do bolso. Disse que não tinha documento nenhum, que nunca levava comigo para não perder  e que não era exigível em vista a Constituição do país. Não deu certo, disse que eu estava preso. Entrei no camburão e eles começaram a rodar por Niterói. Pararam numa esquina onde tinha um grupo falando alto. Pedi a Deus que eles prendessem alguém para eu ter companhia no xadrez. Nada, foram em frente, cochichando o tempo todo. Tinha a certeza que iam me desovar em um lixão qualquer. Um deles voltou-se para mim e perguntou o que eu fazia.  Disse que era engenheiro. Naquela época diploma universitário valia muito. Sussurraram qualquer coisa de novo e percebi que meu destino estava selado. Eles sabiam que uma vez solto eu ia denunciá-los  por arbitrariedade. Senti-me torturado psicologicamente, o tempo não passava, pareciam horas intermináveis, embora apenas 25 minutos tivessem decorrido desde a minha detenção.  Para minha humilhação total, deixaram-me em plena Praia de Icaraí, na frente de uma multidão de transeuntes. Desci na maior cara de pau assoviando desafinado, pois o nervosismo fez minha boca ficar torta. Dei um aceno para os policiais para fingir que eram meus conhecidos. Não colou, os transeuntes olhavam para mim como se eu fosse um malfeitor, no mínimo mais um subversivo ou moleque que aprontara alguma. Corri para casa,  peguei todos os documentos que tinha e voltei para o Chalé onde encontrei a turma toda lá. Indignado, pois eles não demonstravam nem estar aí, fui logo empombando. P... da vida, perguntei porque não foram me libertar no DOPS. Estivemos lá, - responderam -, mas nos informaram que não havia ninguém preso. Voltamos para te esperar aqui. Seu chope já está esquentando, beba logo.

Passaram-se 40 anos.
Com a farra que a Secretaria de Direitos Humanos está fazendo com o dinheiro do povo, resolvi  saber como me habilitar a uma indenização e aposentadoria. Afinal eu fora preso e o jornalista Cony apenas perdera um emprego. Na minha avaliação, a meia hora que passei preso entre a vida e a morte valia mais que o emprego do Cony.
Por telefone expliquei em detalhes o meu caso. Disseram que eu não me enquadrava na lei da anistia. Que eu fui preso  no governo do João Goulart e não valia. Só no período entre o inicio da ditadura e a promulgação da lei da anistia. Quiseram saber se eu fui anistiado. - De que, perguntei? – O senhor  não seqüestrou, não matou, não guerreou, não fugiu  para outro país? – Não, nada disso, respondi. – Sua ficha no DOPS está limpa, me perguntaram? -Limpíssima, respondi. - Então não vale, para receber  indenização a ficha do DOPS tem que ser suja e quanto mais extensa melhor, detalhando  sua atividade subversiva. Parece que não é o seu caso, responderam-me desolados.
Meu sonho de uma velhice tranqüila morreu por aí.
Maldita ficha do DOPS!
































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