Texto escrito por Frei Beto - contribuição de Sérgio Armando Pires Ribeiro
Ao
viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia,
do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz
nos seus mantos cor de açafrão.
Outro
dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia
de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente
comendo mais do que deviam.
Com
certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea
oferecia um outro café, todos comiam vorazmente.
Aquilo
me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'
Encontrei
Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:
'Não
foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'.
Comemorei:
'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'.
'Não',
retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã... '
'Que
tanta coisa?', perguntei.
'Aulas
de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de
garota robotizada.
Fiquei
pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!
Estamos
construindo super-homens e super mulheres, totalmente equipados, mas
emocionalmente infantilizados.
Uma
progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e
uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três
livrarias!
Não
tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação
à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o
defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!'
Mas
como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade
amorosa?
Hoje,
a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília,
um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de
conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos
virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente
virtuais...
A
palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da
imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se
apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.
Como
a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade
é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir
este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!'
O
problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal
maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios.
Quem resiste, aumenta a neurose.
O
grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse
condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver
melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis:
amizades, auto-estima, ausência de estresse. Há uma lógica religiosa no
consumismo pós-moderno.
Na
Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no
Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers
tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de
qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali
dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua,
sujeira pelas calçadas...
Entra-se
naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de
esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os
veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode
comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque pré-datado,
pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas
se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno...
Felizmente,
terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo
suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...
Costumo
advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo
um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates,
filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro
comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele
respondia:... "Estou apenas
observando quanta coisa existe de que não preciso para ser Feliz"!
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