terça-feira, 27 de novembro de 2012

Cartas de Londres: O Reino Unido não fica na Europa





Crônica escrita por Mauricio Savarese, colaboração para o blog, de Eusébio Galvão.



Nem adianta insistir. Mostrar o mapa, as bandeiras da União Européia nos prédios públicos ou gritar que a seleção inglesa joga a Euro copa (sempre uma experiência breve...). Para os britânicos, uma coisa é “o grande império onde o sol nunca se põe” e outra é aquela faixa de terra além do canal da Mancha. A Europa não é aqui.
Experimente dizer no centro de Londres que aquele é seu lugar preferido na Europa. Um morador das antigas, com toda a reserva britânica, pode dar uma resposta mais ou menos assim: “Os europeus têm muitas cidades incríveis, como Paris, Berlim e Roma. E aqui no Reino Unido nada é melhor que isto”. Marcam posição sem abrir mão da sutileza.
Meus amigos britânicos dizem que adoram “viajar para a Europa”. Eu sempre rio. Um deles cravou a seguinte: “Seremos Europa quando as tomadas forem todas iguais”.
Os fabricantes de adaptadores daqui nem têm dúvida: é United Kingdom na entrada e Europe na saída. Nas propagandas de celular, que beleza, o aparelho funciona na Europa.
No campo dos afetos essa noção também existe. Uma coisa é namorar uma mocinha local. Outra é namorar uma européia. Pode ser espanhola, italiana, dinamarquesa, polonesa, grega. Se não é britânica e nasceu em um país aonde se chega em menos de três horas de vôo, é tudo europeia. Distinção feita à França, adorada e detestada, que sempre merece distinções por aqui.
Shakira, minha amiga antropóloga (não, ela não é colombiana nem sabe requebrar), diz que a não-adesão ao euro é o principal símbolo dessa visão mais insular do que continental. Agora que a Europa está cheia de problemas e por aqui não está tão grave assim, diz ela, o Reino Unido se isola ainda mais acariciando sua auto-imagem.
Certamente existem muitas diferenças entre os países europeus, mas não sei de nenhum outro que se esforce tanto para se destacar dentro do próprio continente. Os estrangeiros que conheci parecem achar mais graça do que incômodo nessa noção. “Se o Reino Unido não é Europa, imagina só a Islândia”, me diz um italiano.
Seria um estranhamento novo se não fosse brasileiro. Nós também temos nosso pé na britânia quando nos falam sobre a América Latina. Não sou diferente da maioria. Quando me perguntam sobre a música da Colômbia ou o atual governo do Panamá, explico a posição do Brasil como único que fala português na região. Acesso limitado aos outros. A América Latina não é aí. Pelo menos nisso, os britânicos sabem o que eu quero dizer.

Maurício Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area  Twitter: msavarese.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A vida nas prisões







Jornal do Brasil, Vladimir Polízio Júnior. Contribuição de Argenor Magalhães.
 
Fico pensando no quanto feliz deve estar o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, com a recente e surpreendente descoberta de que nossas prisões são um lixo. Salvo raríssimas exceções, funcionam como depósito de presos, com quase nenhuma condição de salubridade e de respeito à dignidade humana. Evidente, contudo, que os condenados pelo mensalão serão alojados nas ilhas de excelência, porque ninguém imagina, num país sério como o nosso, que José Dirceu, por exemplo, dispute espaço para dormir com um outro delinqüente qualquer numa das tantas penitenciárias esquecidas por Deus.

Na noite do último dia 19, num Congresso em Vitória, ES, o ministro retomou o tema, explicando que foi mal compreendido quando disse que "morrer pode ser uma pena mais branda" do que ir para um presídio: "É importante contextualizar o que eu disse. Disse isso debatendo uma questão sobre a pena de morte. Ao falar da pena de morte, disse que não creio que ela viesse a surtir efeito para coibir delitos, porque, no Brasil, já temos penas muito duras. Causa tristeza verificar as condições dos nossos presídios. Daí a afirmação: é tão dura a execução da nossa pena que muitas pessoas gostariam de ser privadas disto, ou seja, não ter a possibilidade de, se praticar um delito, vir a conviver atrás das grades. E até morrer seria uma pena mais branda".

Infelizmente, nosso sistema penitenciário está em frangalhos. Quase da mesma forma que nosso sistema público de saúde. Quem tem filhos em escola pública sabe, ou deveria saber, que o ensino pago é, em regra, muito mais eficiente para a aprendizagem e conseqüentemente na formação de cidadãos. Quem trabalha por salário mínimo sabe que seus R$ 622 não conferem o poder de compra apregoado pelo artigo 7º, IV, da Constituição federal, ou seja, aquele “... capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social...”; tampouco o reajuste previsto para 2013, que o levará para pouco mais de R$ 670, cumprirá esse objetivo.

Muito não é como deveria, e talvez por isso o Brasil não seja uma Alemanha. Daí a importância, na defesa dos direitos sociais e do Estado Democrático de Direito, de instituições como os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas. Mas beira o absurdo a declaração do ministro cujo partido faz mais de 10 anos no Planalto.