Um
índio, com seu imenso cocar de penas brancas, pretas e encimado por um
penacho azul, vestindo uma camisa do Clube de Regatas Vasco da Gama, com
a cruz de malta no peito, surgiu no meio do plenário do Supremo
Tribunal Federal gritando que queria cotas para índios, mestiços,
ciganos, caboclos e brancos pobres e foi retirado à força por um
segurança “mulato”, de hoje em diante legalmente definido como negro.
Não foi preciso muito tempo para sentirmos os efeitos da decisão dos
juízes do STF na tarde do dia 26 de abril em julgamento histórico no
qual se proclamou a constitucionalidade do sistema de cotas raciais no
Brasil.
Nunca havia assistido a um julgamento na
nossa Corte Suprema e fui com a intenção de ver, ao vivo, o processo e
as formas ritualizadas de decidir sobre uma questão de princípio como
esta que seria discutida. O que vi e ouvi foi um desfilar de argumentos a
favor da “raça”.
O ministro relator, Ricardo Lewandowski,
leu o seu voto que durou mais de uma hora para afirmar peremptoriamente a
preponderância da “raça” nas leis como forma de extirpar o racismo.
Depois de desfiar muitos nomes de Aristóteles, passando por John Rawls,
ao sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, afirmou que o
critério étnicoracial era perfeitamente constitucional. O ministro do
STF elencou argumentos que se repetem como mantra nos movimentos
sociais. O relator confessou até que tinha estado na Índia, o primeiro
país a implantar cotas para a proteção dos intocáveis que já duram mais
de quarenta anos. Ricardo Lewandowski é professor titular da USP e ficou
impressionado com o sistema indiano. Só não contou ao público que
nesses quarenta anos não cessaram os conflitos étnicos que, ao
contrário, foram exacerbados. Não disse também que lá as cotas acabaram
sendo inseridas na Constituição e parece não ter lido muito sobre este
processo naquele país.
O ministro relator não foi além de uma
visita à Índia e não viu mais do que a superfície da questão e em nome
do princípio de realidade, a tal igualdade material por ele acionada,
jogou no lixo a realidade dos princípios. Em seu voto, nem de longe
mencionou o ponto crucial levantado por muitos contra esta política e
que foi expresso pelos juízes da Suprema Corte dos EUA em várias
ocasiões, a começar em 1978. Legislar em nome da “raça” e colocá-la na
letra da lei com a finalidade de extirpar o racismo tem o efeito de
eternizar a separação entre os cidadãos, afirmaram os juízes da Suprema
Corte americana. No entendimento do ministro relator, a Suprema Corte
americana considerou legal e constitucional a utilização do critério
étnico-racial para alocar estudantes nas universidades. Finalmente, ao
declarar seu voto lançou a pérola que ficará para a história como a
sentença que nos levou a instituir um estado racializado: “… os
programas de ação afirmativa tomam como ponto de partida a consciência
de raça existente nas sociedades com o escopo final de eliminá-la. Em
outras palavras, a finalidade última desses programas é colocar um fim
àquilo que foi seu termo inicial, ou seja, o sentimento subjetivo de
pertencer a determinada raça ou de sofrer discriminação por integrá-la.”
O relator considerou constitucional inclusive o tribunal racial, aquele
que escandalizou o Brasil ao afirmar que gêmeos univitelinos eram de
cores ou “raças” distintas.
Todos os ministros da nossa Corte maior seguiram o voto do relator.
A
separação legal dos cidadãos é um caminho sem volta. O sentimento de
pertença a uma “raça” – que aliás é frágil ou nulo no Brasil – se
infiltra de tal maneira na vida social que passa a ser uma nova
aspiração, como se viu na cena inaugural do índio de cocar exigindo
cotas para outras minorias. Separar por força de lei é uma guinada
fortíssima na nossa história e não me digam que não havia vozes
discordantes com argumentos importantes, que nem sequer foram
considerados, por serem de antemão definidos como hipócritas,
reacionários, racistas e produzidos por “marginais”.
A decisão do STF no julgamento do dia 26
de abril de 2012 fará esta Corte entrar para a história como aquela que
advogou pelo Estado Racial no País. Votando pela constitucionalidade do
critério étnicoracial para a distribuição de direitos, os ministros
inscreveram o nosso país no rol dos que separam legalmente os cidadãos
em “raças” distintas rasgando a Constituição brasileira e a Carta da
ONU. Esta onda era esperada e se estenderá por longos anos. O primeiro
país, fora da África, a criticar oficialmente o apartheid da África do
Sul em histórico pronunciamento do presidente Juscelino Kubitschek na
década de 1950, acaba de se tornar um Estado de leis raciais.
Texto de Autoria de: YVONNE MAGGIE
Eusébio, essa política de cotas
é um instrumento provisório, apenas visando a maior integralização da
sociedade. Apenas até fazer essas minorias se fazerem representar em
outras camadas sociais. Depois elas vão se extinguindo e tonando-se
desnecessárias. Eles estão apenas mostrando as diferenças sociais,
garantindo formalmente, ou seja, na lei, uma diferença que já existe
materialmente, ou seja, na vida concreta e real. Por que não se mostrar
as diferenças sociais, quando essas diferenças são para beneficiar as
minorias, tão prejudicada históricamente, nesse país? Reação a essas
políticas de integração social é muito natural, mas isso ajuda a essas
minorias terem mais visibilidade social, apenas isso. Garante alguns
direitos dessas minorias que, se considerarmos abstratamente todos como
iguais, na verdade, se camufla as discirminações reais do nosso
cotidiano. É uma tentativa de democratizar mais essa sociedade perversa e
discriminatória, no fim e a cabo de algum tempo. Só isso.
Se
se resolver fazerem cotas para os índios, por entenderem que também são
prejudicados, que o façam. Não vejo mal nenhum nisso. Mas os índios,
infelizmente, foram, praticamente, exterminados, no nosso país. Os
afro-descendentes são mais de 50% da nossa população - e a gente nem
percebe, porque vivemos num meio em que eles quase nem tem acesso. É
isso que acontece. O Brasil é o maior país, fora da África, com o maior
contingente populacional de negros, no mundo. Convenhamos que alguma coisa tem
que se fazer por essa parte da população. É só uma tentativa política de
democratização social, mais nada. Mas reconheço que são questões que vão dar
muito o que falar.
Talita.
Se não houvesse discriminação e preconceito com "os diferentes" não haveria necessidade de cotas. Se todos são iguais, qual a razão das cotas?????
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