Texto escrito e enviado para o blog, por Agenor Magahães
Esta foi
uma história cômica. Mas não podíamos sair impunes e por isso acabou nos
custando caro, mais uma vez.
Aconteceu
no âmbito da antiga Companhia Telefônica Brasileira-CTB, quando entramos numa
concorrência para construção de torres de microondas no Estado do Rio de
Janeiro. Era um conjunto de 12 construções iguais construídas em morros, nos
lugares mais eqüidistantes do Estado. Apesar de termos ofertado o menor preço,
a Comissão de Concorrência resolveu adjudicar-nos apenas três unidades. Ficou a
promessa que, se nosso desempenho fosse razoável, poderiam aditar ao nosso
contrato outro tanto de unidades. Para não perdermos a oportunidade resolvemos
fazer um trabalho junto ao chefe da fiscalização, um arquiteto que já
conhecíamos de outra obra da CTB em Campos que havíamos subempreitado com a
Montreal Engenharia.
Estávamos,
então, fazendo um trabalho de pressão junto à fiscalização para ver se
levávamos mais algumas unidades das tais torres. O Dr. Caim nos dera o seu
endereço, em São Gonçalo, para qualquer eventualidade.
Não
perdemos tempo, eu e o Ernesto, meu sócio, resolvemos fazer uma visita
“discreta” a ele num sábado pela manhã.
Chegando
ao endereço, fomos atendidos por sua genitora e encetamos uma conversa amigável
e ficamos sabendo alguns dados da vida particular do seu filho, destacando-se
um fato que nos chamou atenção, ser o mesmo solteiro, apesar de já passado dos
40 anos. O Caim não estava em casa, jogava, naquele momento, pelo time de
futebol do bairro, num campo de várzea ali próximo e a sua mãe nos indicou como
chegar ao local. Tocamos prá lá. Esperávamos encontrá-lo atacando a meta
adversária, mas qual a nossa surpresa ao depararmos com ele debaixo de uma das
traves. Vestia vistosa camisa azul anil. Postamo-nos próximo a baliza prontos
para uma “puxadinha” de saco na hora de uma defesa qualquer. O ponta adversário
parece que desconfiou das nossas intenções, pois avançou célere em direção à
bandeirinha de corner, enquanto o centroavante berrava qualquer coisa que não
entendi. O ponta, de cabeça baixa, cruzou, o crioulo centroavante entrou
arrebentando, chutou bola, grama e canela adversária. A bola passou rente a
trave, com grande susto para Caim, que esbravejava com o zagueiro pela falha de
marcação. Foi à linha de fundo buscar a bola para o tiro de meta e ainda assim
não notara a nossa presença, fazíamos parte da torcida entusiasmada. Passou por
nós com a bola debaixo do braço, cheio de pose, mas com fingida contrariedade
com a postura da zaga. Ajeitou o balão de couro e ele mesmo tomou distância
para dar o tiro de meta. Deu umas reboladas enquanto corria para tocar a bola
para o beque junto à área. O jogo prosseguia com o time adversário dominando o
meio de campo. Novo lançamento em profundidade obrigou-o a sair do gol para
rebater com o pé, antes que o atacante pudesse finalizar. A sua saída de gol
foi parcialmente desastrada, pois correu de encontro à bola, rebolando de tal
maneira que quase furou. Olhando melhor, percebemos que o Caim tinha um bundão
de dar inveja em muito baitola: era roliço e recheado, dentro de um calção
justo. O beque central, um sarará com cara de mau, deu-lhe um esporro:
-Qual’é,
ô Picolé!
Olhei
para o Ernesto, que continha a custo o riso. Quando Caim retornou para debaixo
dos paus, fizemos um elogio alto e exagerado para ele notar nossa presença.
Olhou-nos com o rabo do olho e ficou ligeiramente encabulado. Achamos que não
tinha nos reconhecido e calamos para evitar maiores constrangimentos.
Finalmente, virou a cabeça e nos encarou rapidamente, nos reconhecendo, em
definitivo. Permaneceu imóvel, debaixo do gol e vez por outra alisava a
cabeleira e cofiava o farto bigode que alguns fios brancos denunciavam que eram
pintados de preto.
Eis que em
novo ataque do time adversário é lançado o arisco ponta direita, um baixinho
barrigudinho, um verdadeiro corisco. O Caim lança um grito mais chegado ao
histérico, esquecendo-se da nossa presença.
-Vai nele
Sarará! (era esse o apelido do beque mal encarado).
-Não
deixa chutar!-, reforçou o apelo.
A voz
saiu meio anasalada e mais fina do que estávamos acostumados a ouvir. Cercado
pelo Sarará, o ponta arisco ciscou pra lá, ciscou pra cá, não houve penetração
de qualquer companheiro para receber o lançamento, então decidiu cruzar sobre a
área para ver o que acontecia. Alçada a bola, veio ela descaindo na entrada da
pequena área. Era bola do goleiro. E o nosso herói foi lá. Deu um passe
de balé, levantou a perna esquerda encolhendo o joelho, até a altura da barriga,
elevou-se com graça no bico da chuteira do pé direito, tal qual um bailarino
clássico, cheio de elegância e aprumo. Esticou-se o melhor que pôde no
ar. Aconteceu o inesperado: o balão de couro fugiu por entre seus bem
tratados dedos e foi alinhar-se no fundo da rede. Ficamos boquiabertos com a
cena seguinte: Caim esparramado no terreno careca da grande área, esmurrava
desconsoladamente o solo. E o Sarará não perdoou:
- Seu
viado, filho da puta, toda vez que vê o Roberval (o ponta arisco) se arreganha
todo!
Resultado:
não pegamos mais obra nenhuma e tivemos a pior fiscalização da nossa vida.
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