Percorrendo as praças e jardins de nossa cidade, constatei que não há um só herói ou homem público dessas terras perpetuado em estátua eqüestre. Todos à pé. Os estudiosos da matéria sabem há muito tempo que não se faz história sem cavalo e seu respectivo cavaleiro.
Pegasus, o cavalo alado nascido do sangue da Medusa, e seu intrépido cavaleiro Perseu, filho dileto de Zeus, na Mitologia grega, era o símbolo da imortalidade até hoje almejada por muitos humanos em diversas crenças religiosas.
As guerras de conquistas territoriais conferiram ao cavalo o papel de protagonista da História. Todo herói mítico precisa de um ator coadjuvante. E ninguém melhor para exercer esse papel do que o cavalo.
O que seria de Dom Quixote de La Mancha sem o seu inseparável Roncinante? Vejam que, nas gravuras desse livro, sempre em primeiro plano aparecem cavalo e cavaleiro numa união perfeita de força e harmonia. No segundo plano, aparece o fiel escudeiro Sancho Pança, a pé.
Nos filmes de Zorro, nenhum bandido por mais malvado que seja, consegue ser mais estrela do que o Silver. Foi por esse motivo que se criou aquela sentença para designar um bandido de terceira categoria: “cocô de cavalo de bandido”. O cocô do cavalo do mocinho, em filmes de faroeste, sempre teve mais notoriedade do que qualquer bandido.
Diz a História que do alto de um cavalo, o homem passou a ver o mundo numa outra dimensão.
Por falta de leitura e de visão, Collor “caiu do cavalo”, porque na Presidência da República resolveu pilotar Jet-ski e avião a jato. Se posasse num cavalo, estaria até hoje como herói nacional. Poderia ter seguido o exemplo de Ricardo III, que ao perder seu companheiro mais fiel num confronto com o exército inimigo, proferiu a célebre frase: “Meu reino por um cavalo”. Aliás, essa frase não vale apenas para o Collor. Nenhum herói nacional atinou para esse fato. Faça um teste e confirme você mesmo. Tirando os PSI consagrados campeões em corridas no Hipódromo da Gávea como Gualicho, Tirolesa, Itajara, Falcon Jet e outros, que animais entraram para a História do Brasil? Qual o nome do cavalo de D.Pedro I? E o de D. Pedro II? Qual o nome do cavalo do Duque de Caxias? E o do Mal. Deodoro? E o do Floriano Peixoto? E o do Getúlio Vargas?
O Gal. Figueiredo bem que tentou. O cavalo era bom, o cavaleiro é que não o acompanhava. Provavelmente, por serem bons navegadores, nossos ancestrais lusos não se exercitaram muito nessas artes eqüinas. Faltou-nos herança cultural. Para ser herói, é necessário conhecer História para que ela não se repita como farsa ou como tragédia. Quem já se esqueceu do cavalo de Tróia, presente de grego, com que Menelau ludibriou os troianos?
Por ser um estudioso dessas questões eqüinas, Alexandre o Grande, com seu cavalo Bucéfalo, acompanhado de generais e milhares de guerreiros anônimos conquistaram um vasto império, desde a Macedônia até aos confins da Índia. Bucéfalo, morto em batalha, por este feito incontestável foi enterrado com honras marciais, e em sua memória, foi construída uma cidade que levou merecidamente seu nome. Ficava próxima de Alexandria. No enterro de Bucéfalo, Alexandre chorava copiosamente: “Oh! Bucéfalo, por que me abandonastes”?
A leitura é fundamental. Através dela, Maomé tomou conhecimento de Pegasus e Perseu e a morte da Medusa. Ao ler o Apocalipse de João de Patmos, mais precisamente o capítulo que falava dos quatro cavaleiros que povoavam o panteão dos deuses e demônios, e que nos últimos dias assolariam o mundo com a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte, muito impressionado, resolveu conferir. “Montado no seu cavalo alado El Borak que o transportou ao Sétimo Céu, onde recebeu a palavra de Allah, registrando no Corão, mais precisamente na “Surata da vaca”, a sua mais preciosa criação:” Criei-o diferente de tudo mais... Com ele, os escolhidos por Allah voarão sem asas e conquistarão sem espadas”! Até hoje, os árabes criam os descendentes de El Borak.
Para quem duvidar, é só conferir – Maktub
Se Jesus Cristo, ao invés de andarilho, montasse um cavalo azul celestial, se possível alado como o de Maomé, de ginete na mão, chicoteando os vendilhões do Templo, talvez não tivesse morrido na cruz, e seria acompanhado de uma legião de fiéis e discípulos, e a sua identidade não estaria sendo discutida agora depois da descoberta dos Manuscritos do Mar Morto.
Por que não se fazem mais heróis como antigamente? A resposta é simples: por falta de um bom cavalo. Foi exatamente prevendo isso, que Calígula nomeou Incitatus, senador de Roma, cônsul honorário, tendo agraciado em vida, com todas as condecorações conferidas aos seus melhores generais comandantes das legiões romanas. É mole?
O que seria de Napoleão Bonaparte sem seus famosos cavalos? Montado em Vizir, seu cavalo cinza, Napoleão atravessou a Europa inteira tendo sido derrotado na campanha da Rússia pelo General Inverno. Na batalha de Waterloo, Napoleão conheceu a derrota, montando Morengo, o tordilho árabe descendente de El Borak. Se fosse supersticioso como o Zagallo, e estudasse um pouco de numerologia, com ênfase no número treze teria trocado os cavalos, e quem sabe, não seria vitorioso na Rússia com Marengo e em Waterloo com Vizir.
Dos cavalos históricos mais notáveis que conheço, sem dúvida alguma, nenhum sobrepujou El Morzillo, o cavalo andaluz de Cortez. Os índios guatemaltecos ao se depararem com as tropas de Cortez, não temeram seus soldados: temeram El Morzillo. Diante de um deus guerreiro de quatro patas, tendo no seu dorso uma figura estranha em armadura de aço, saltavam de precipícios para a morte em louca debandada. Ferido em batalha, o cavalo de Cortez não pode ser levado de volta à Europa. Abandonado pelos espanhóis, El Morzillo passou a ser cultuado como deus pelos nativos que traziam dos mais distantes lugares, flores e frutas para aliviar a sua agonia. Quando morreu, tornou-se deus das tempestades dos guatemaltecos, que ergueram em seu templo uma estátua monumental, feita à sua imagem e semelhança.
Essa breve exposição de fatos históricos é suficiente para que se conclua que sem cavalo não há herói.
Para corroborar essa tese, cito mais um exemplo: o corcel negro de Emiliano Zapata, El Criolo, considerado até hoje como deus entre os “chicanos”. Ainda em nossos dias, o corcel negro é visto em “aparições” o ano inteiro para os habitantes do Estado de Morelos. Diz a lenda popular que “enquanto o cavalo negro procurar por Zapata, Zapata ainda vive”. Graças a essa lenda é que surgiu o novo Exército de Libertação Zapatista.
Para que ninguém levante a argumentação de que essa questão de cavalos e cavaleiros é coisa da Idade Média, de lutas entre mouros e cristãos, é bom recordar que recentemente, depois de montar vários cavalos de sangue nobre, quartos-de-milha por excelência, em filmes de faroeste, o caipira Ronald Reagan conseguiu se eleger presidente dos Estados Unidos.
Em torno dessas considerações, numa era em que as ideologias políticas acabaram, talvez o que faltou ao Brizola para chegar à Presidência da República, foi um cavalo. Já imaginaram um “caudilho dos Pampas”, andando à pé, subindo morro na sola de sapato? E se fosse num corcel ligeiro, cavalgando ondas de um mar revolto, qual seria o resultado eleitoral?
Como esse ensaio está mais para parábola do que para teorema, já que nada quero demonstrar, moveu-me uma única curiosidade e indagação: falta um cavalo heróico, mesmo que não seja de linhagem nobre, na História Oficial de Campos. Para dirimir possíveis dúvidas, recorri ao professor, escritor, pesquisador e acadêmico campista, Dr. Jorge Renato Pereira Pinto, que afirmou com bastante segurança, que o único eqüino a participar da história campista foi o “xucro” da venerável senhora Benta Pereira no episódio da “Guerra dos fidalgos”.
Durante o episódio pela disputa de terras e gado com o Visconde dos Assecas, os sediciosos se concentraram em frente à Câmara dos Senadores, e entre alaridos e instigações dos incendiários e a turma do “deixa-disso”, alguém por descuido cuspiu uma “binga” de cigarro de palha ainda aceso no ouvido do cavalo. Como se estivesse possuído pelo demônio, o animal não encontrando outro caminho, adentrou pela Câmara, disparando coices para todos os lados, só restando à octogenária senhora, diante do espanto dos legisladores, proferir o célebre brado: “Aqui, até as mulheres lutam”!
Nota – Essa matéria foi publicada pelo Monitor Campista e lida na Academia Campista de Letras pelo Imortal Jorge Renato Pereira Pinto (falecido) para gargalhadas do público presente.
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