sexta-feira, 21 de setembro de 2012

TALENTO MUSICAL ABORTADO




  
  Texto escrito por Agenor Portelli Teixeira Magalhães

Certo dia papai surgiu em casa com uma novidade.  Os filhos iriam aprender instrumentos musicais para formar um conjunto. Papai foi um homem  cheio de idéias e iniciativas.  Foi com ele que aprendi os primeiros passos nos trabalhos de carpintaria, alvenaria, hidráulica, eletricidade e pintura. Conforme já relembrei em várias crônicas familiares, ele iniciou um cultivo de flores em nossa chácara, que ficou conhecida como Chácara das Flores; produziu os biscoitos Maravilha e a Mariola Magalhães. Entre uma fabriqueta e outra de fundo de quintal, ele ainda preparou com vovó uma receita de doce de leite, cujo segredo é o ponto para não açucarar. Iniciou a fabricação artesanal de um vinho licoroso de laranja que armazenava no  sótão da lavanderia. Quando descobriu que eu estava tomando o vinho escondido jogou fora todo o estoque e nunca mais produziu uma garrafa sequer.

Acredito que a idéia dos músicos foi para concorrer com nossos primos que tocavam violino e clarineta. Coube a Gastão a clarineta, ao Luiz o piano, a mim o violino, a Paulo a flauta. Como maestro do conjunto, papai ficou com o saxofone.
Papai no sax e Gastão na clarineta chegaram a tocar algumas musicas, recordo-me de Saudades do Matão e Sobre as Ondas.  De Luiz me lembro  tocar  um feijão com arroz, talvez o  Tico-tico no fubá, nada indicava que seria um Anoeli ou Sergio Mendes. Abandonou o piano para dedicar-se ao Cantor Cristão.  Paulo desistiu da flauta e passou para a gaita, era mais fácil carregar no bolso traseiro da calça. Mamãe se entusiasmou e contratou a D. Juracy como professora de piano. Dona Juracy lembrava aquele garçom sonolento dos programas humorísticos, o Tutuca.
Célia apelidou-a de Tanajura, mas não me lembro que tivesse um traseiro para merecer tal alcunha. Quando eu chegava do Liceu, encontrava Dona Juracy dormindo na cadeira e mamãe dormindo debruçada sobre o teclado do piano. Desistiu do piano,  dizendo que sua vocação era o violão. Papai  contratou o maestro Ferreira  para as aulas. Também não deu certo e mais no final da vida descobriu sua verdadeira vocação: cantora de coral.
Papai, fazendo dueto com Gastão, passava  noites tentando acertar o passo. Acho que foi nessa ocasião que me viciei em cinema para fugir dos seus sopros. De segunda a domingo eu freqüentava os cinemas poeiras de Campos junto com os amigos Dalmir e Chiquinho. Comprei um álbum de figurinhas e colecionei as fotos dos astros daquela época, de Cantinflas a Clark Gable, dos irmãos Marx ao Gordo e Magro, Alan Lad, Randolf  Scott, os mocinhos Roy Rogers e John Mc Brown.  
Áurea, entusiasmada com as partituras que Luiz e  vovó tocavam a quatro mãos, iniciou seus estudos. Não sei se hoje seria capaz de dedilhar qualquer coisa. Célia, por ser ainda criança e uma nulidade em música como eu,  ficou fazendo a parte da galera. Vera e Renato não eram nascidos ou eram muito pequenos e não participaram daquele vexame.
Reservei minha participação no grupo musical como grand finale.
Três vezes por semana, à noite, lá ia eu para minhas aulas com o professor Fenelon.
Fenelon era alfaiate de profissão e violinista nas horas vagas. Na sua alfaiataria, entre ternos e manequins, ele tentava me ensinar a escala musical. Meus dedos eram duros e por mais que tentasse não conseguia relaxar para tirar das cordas os sons desejados. Era um sofrimento. Lamento que o professor Fenelon estivesse mais preocupado com a receita que eu lhe levava no fim do mês do que ter sido honesto suficiente com meu pai e dito claramente que  eu não levava jeito para a coisa. Após um ano de aulas, papai me levou para demonstrar as habilidades para vovó. Mal consegui tirar as notas musicais. Desafinava, e as cordas de crina pareciam que iam se romper a qualquer instante em  sinal de protesto.  Vovó não me levou a sério, mas também não fez as críticas como de costume. Ela era bastante sagaz em suas observações e perdeu uma oportunidade de ouro para dar um basta. Naquele momento negou fumo e minha agonia acabou levando mais um ano. Por algum tempo, as aulas do Fenelon foram interessantes, pela presença das suas filhas. A partir de certo momento deixei de freqüentar as aulas, mas saia de casa com a caixa de violino debaixo do braço e ia  direto  para o cinema. Só aparecia nas aulas para pagar o Fenelon, que embolsava, com satisfação, a  mensalidade. Certa noite, na porta do Trianon esperando o início da sessão, matando  aula, tentaram me roubar o violino. Como é do meu temperamento, lutei bravamente em defesa do meu instrumento, embora o que melhor deveria ter feito era deixar o ladrão ir embora com o violino. Para me defender contra os maus elementos comprei uma faca e passei a levá-la na cintura. Em seguida, achei melhor  deixar o violino em casa  e só levava a caixa. Era mais leve e o violino não fazia falta mesmo. Depois de dois anos de perda de tempo e dinheiro entreguei os pontos, e dei inicio à dissolução do promissor conjunto. Daí pra frente foi cada um por si.   
Quando estive com Gastão em outubro de 2004, ele me confessou que se arrependia amargamente de ter abandonado a clarineta. Não sei porque, mas fiquei com uma sensação de culpa. Ele está hoje com 70 anos e me pergunto se não está na hora dele retornar seus ensaios de clarineta. Quem sabe ele não seria o único músico da família a dar certo?

Nota: quando escrevi a crônica meu irmão Gastão estava com 70 anos, agora em 2010, faz 75 anos.


Um comentário:

  1. OLA AGENOR,
    DEPOIS DE LER SEU GOSTOSO TEXTO, FIQUEI PENSANDO. nO CASO DE TODOS OS IRMÃOS TIVESSEM FORMADO UM GRUPO MUSICAL, QUE NOME TERIA SIDO ESCLHIDO PARA A BANDA: "...OS MAG BANDS E SUAS VOCALISTAS DE OURO"? TERIAM SIDO AS 3 MENINAS AS CANTORAS? HE HE HE

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