Texto escrito por Agenor Portelli Teixeira
Magalhães
Certo dia papai surgiu em casa com uma
novidade. Os filhos iriam aprender
instrumentos musicais para formar um conjunto. Papai foi um homem cheio de idéias e iniciativas. Foi com ele que aprendi os primeiros passos
nos trabalhos de carpintaria, alvenaria, hidráulica, eletricidade e pintura. Conforme
já relembrei em várias crônicas familiares, ele iniciou um cultivo de flores em
nossa chácara, que ficou conhecida como Chácara das Flores; produziu os biscoitos
Maravilha e a Mariola Magalhães. Entre uma fabriqueta e outra de fundo de
quintal, ele ainda preparou com vovó uma receita de doce de leite, cujo segredo
é o ponto para não açucarar. Iniciou a fabricação artesanal de um vinho licoroso
de laranja que armazenava no sótão da
lavanderia. Quando descobriu que eu estava tomando o vinho escondido jogou fora
todo o estoque e nunca mais produziu uma garrafa sequer.
Acredito que a idéia dos músicos foi
para concorrer com nossos primos que tocavam violino e clarineta. Coube a
Gastão a clarineta, ao Luiz o piano, a mim o violino, a Paulo a flauta. Como
maestro do conjunto, papai ficou com o saxofone.
Papai no sax e Gastão na clarineta
chegaram a tocar algumas musicas, recordo-me de Saudades do Matão e Sobre as
Ondas. De Luiz me lembro tocar um
feijão com arroz, talvez o Tico-tico no
fubá, nada indicava que seria um Anoeli ou Sergio Mendes. Abandonou o piano
para dedicar-se ao Cantor Cristão. Paulo
desistiu da flauta e passou para a gaita, era mais fácil carregar no bolso
traseiro da calça. Mamãe se entusiasmou e contratou a D. Juracy como professora
de piano. Dona Juracy lembrava aquele garçom sonolento dos programas
humorísticos, o Tutuca.
Célia apelidou-a de Tanajura, mas não me
lembro que tivesse um traseiro para merecer tal alcunha. Quando eu chegava do
Liceu, encontrava Dona Juracy dormindo na cadeira e mamãe dormindo debruçada
sobre o teclado do piano. Desistiu do piano,
dizendo que sua vocação era o violão. Papai contratou o maestro Ferreira para as aulas. Também não deu certo e mais no
final da vida descobriu sua verdadeira vocação: cantora de coral.
Papai, fazendo dueto com Gastão, passava noites tentando acertar o passo. Acho que foi
nessa ocasião que me viciei em cinema para fugir dos seus sopros. De segunda a
domingo eu freqüentava os cinemas poeiras de Campos junto com os amigos Dalmir
e Chiquinho. Comprei um álbum de figurinhas e colecionei as fotos dos astros
daquela época, de Cantinflas a Clark Gable, dos irmãos Marx ao Gordo e Magro,
Alan Lad, Randolf Scott, os mocinhos Roy
Rogers e John Mc Brown.
Áurea, entusiasmada com as partituras
que Luiz e vovó tocavam a quatro mãos,
iniciou seus estudos. Não sei se hoje seria capaz de dedilhar qualquer coisa. Célia,
por ser ainda criança e uma nulidade em música como eu, ficou fazendo a parte da galera. Vera e Renato
não eram nascidos ou eram muito pequenos e não participaram daquele vexame.
Reservei minha participação no grupo
musical como grand finale.
Três vezes por semana, à noite, lá ia eu
para minhas aulas com o professor Fenelon.
Fenelon era alfaiate de profissão e
violinista nas horas vagas. Na sua alfaiataria, entre ternos e manequins, ele
tentava me ensinar a escala musical. Meus dedos eram duros e por mais que tentasse
não conseguia relaxar para tirar das cordas os sons desejados. Era um
sofrimento. Lamento que o professor Fenelon estivesse mais preocupado com a
receita que eu lhe levava no fim do mês do que ter sido honesto suficiente com
meu pai e dito claramente que eu não
levava jeito para a coisa. Após um ano de aulas, papai me levou para demonstrar
as habilidades para vovó. Mal consegui tirar as notas musicais. Desafinava, e as
cordas de crina pareciam que iam se romper a qualquer instante em sinal de protesto. Vovó não me levou a sério, mas também não fez
as críticas como de costume. Ela era bastante sagaz em suas observações e
perdeu uma oportunidade de ouro para dar um basta. Naquele momento negou fumo e
minha agonia acabou levando mais um ano. Por algum tempo, as aulas do Fenelon foram
interessantes, pela presença das suas filhas. A partir de certo momento deixei
de freqüentar as aulas, mas saia de casa com a caixa de violino debaixo do
braço e ia direto para o cinema. Só aparecia nas aulas para
pagar o Fenelon, que embolsava, com satisfação, a mensalidade. Certa noite, na porta do Trianon
esperando o início da sessão, matando
aula, tentaram me roubar o violino. Como é do meu temperamento, lutei
bravamente em defesa do meu instrumento, embora o que melhor deveria ter feito
era deixar o ladrão ir embora com o violino. Para me defender contra os maus
elementos comprei uma faca e passei a levá-la na cintura. Em seguida, achei
melhor deixar o violino em casa e só levava a caixa. Era mais leve e o
violino não fazia falta mesmo. Depois de dois anos de perda de tempo e dinheiro
entreguei os pontos, e dei inicio à dissolução do promissor conjunto. Daí pra
frente foi cada um por si.
Quando estive com Gastão em outubro de
2004, ele me confessou que se arrependia amargamente de ter abandonado a clarineta.
Não sei porque, mas fiquei com uma sensação de culpa. Ele está hoje com 70 anos
e me pergunto se não está na hora dele retornar seus ensaios de clarineta. Quem
sabe ele não seria o único músico da família a dar certo?
Nota: quando escrevi a crônica meu irmão
Gastão estava com 70 anos, agora em 2010, faz 75 anos.
OLA AGENOR,
ResponderExcluirDEPOIS DE LER SEU GOSTOSO TEXTO, FIQUEI PENSANDO. nO CASO DE TODOS OS IRMÃOS TIVESSEM FORMADO UM GRUPO MUSICAL, QUE NOME TERIA SIDO ESCLHIDO PARA A BANDA: "...OS MAG BANDS E SUAS VOCALISTAS DE OURO"? TERIAM SIDO AS 3 MENINAS AS CANTORAS? HE HE HE