Texto escrito por Luiz Magalhães
Diz
o ditado popular que o peixe morre pela boca. O homem também, se alguém duvida,
embora mais lentamente que os peixes. Não foi à toa que Moisés estabeleceu leis
alimentares rigorosas para os judeus classificando os alimentos em puros e
impuros ou imundos. A igreja católica também deu sua colaboração incluindo a
gula entre os sete pecados capitais, numa época de pouca fartura, em que a
máxima para a plebe era: “Em tempo de pouca farinha, o primeiro pirão é meu.”
Dessa forma, combatia-se um terrível vício da nobreza, e de sobra,
colaborava-se com a economia de mercado.
A
fisiologia e a medicina não chegam às conclusões definitivas porque são
ciências conjunturais, não tendo nada com os princípios das coisas, só lhes
importando os fenômenos e as suas causas imediatas, buscando amparo nas
estatísticas, já que a metodologia científica só funciona para as ciências
chamadas exatas. A vida, a morte, as origens, os fins continuam como mistérios
só interessando aos religiosos e indecifráveis até o momento. Causas primeiras com que não têm nada a
fazer. Absolutamente nada. Dessa forma, alimento para uns é remédio, para
outros é veneno. Dietas de longevidade, as mais estapafúrdias são estabelecidas
e os resultados são duvidosos,
No
budismo, qualquer alimento de origem animal deve ser evitado. É um crime
ambiental como apregoam seus fiéis seguidores. Para nós carnívoros, essa
história de comer apenas coisas verdes, é dieta para bovinos, eqüinos e
caprinos. Quem há de resistir a um pernil de javali assado? E um leitãozinho à
pururuca? E um salmão defumado? E uma rabada com polenta e agrião?
Os
franceses abusam impunemente das gorduras animais e apresentam baixas taxas de
colesterol. Atribuem ao vinho à virtude de manter sob controle o mau colesterol
devido ao efeito mata-borrão dos flavonóides.
Segundo
notícias recentes, bioquímicos norte-americanos afirmaram que o arroz e o trigo
são os responsáveis pelo entupimento das coronárias causando enfarte do
miocárdio. Provavelmente, tudo não passa de uma jogada de marketing para
quebrar num efeito dominó a China, Japão e Coréia do Norte.
Enquanto
os cientistas não chegam a uma conclusão, vamos nós abusando desses fatores de
risco, porque viver cem anos como faquir e apenas cinqüenta com o céu na boca,
a segunda alternativa é assaz interessante.
Foi
assim que, nosso pai, depois de um generoso almoço caseiro, se viu convidado
para degustar num ajantarado de domingo, uma leitoa tostada e crocante, há
algum tempo prometida, preparada pelas mãos mágicas da Dona Dolores, digníssima
esposa do Nico, lá do armazém da Rua do Príncipe.
Não
se fez de rogado ao primeiro naco suculento de lombo que lhe foi servido,
deglutido com avidez e sem cerimônias para orgulho da prestimosa artesã
gastronômica. Já empanturrado, agradeceu a cortesia deitando elogios aos
temperos, vinagrete, ervas finas aromáticas e rodelas de maçã que adornavam a
iguaria. Sem pestanejar, jubilosa da sua arte, Dona Dolores manejando com
maestria o afiado cutelo lanhou com profundidade o pernil traseiro trazendo na
ponta do espeto de prata lauta fatia colocada no prato de tão ilustre
convidado. Foi aí que, o Dr. Gastou amarelou. Nem teve tempo de recusar e
agradecer a tão gesto nobre da garbosa senhora. Desapertou o cinto, respirou
profundo, com a vista já escurecendo aos sintomas de fastio, e após muito
esforço conseguiu arrematar com garfadas vigorosas sem deixar sobras no prato
um vestígio sequer do que fora outrora uma parcela suculenta da esposa do
senhor Leitão.
Entusiasmada
com o apetite estimado comensal, Dona Dólares em novo golpe magistral, retalhou
a parte mais nobre do lombo, a picanha, umedecendo-a em caldo gordo do
tabuleiro de alumínio, com o braço estendido em atitude de gentileza em direção
ao prato do visitante, agora apoplético, olhar esbugalhado, entupido até a
altura do esôfago, mãos estendidas para a frente num gesto de defesa,
balbuciando num último esforço, com ânsias de vômito:
-
Por favor, Dona Leitoa! Estou muito satisfeito, Dona Leitoa! Muito obrigado
pelo almoço, Dona Leitoa!
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