Neste momento, tão sofrido para
todos nós, diante do passamento de nossa querida Camila, junto de sua filhinha
Valentina, gostaria de aproveitar essa oportunidade, para dar meu testemunho e
desenvolver algumas reflexões que esta experiência pode nos proporcionar.
Camila viveu e morreu como um bom
exemplo de santidade, vivida em nossos tempos. Foi precoce desde sempre. Menina
linda, em todos os sentidos que a gente possa classificar. Boa filha, conseguiu
cultivar em seus pais um amor intenso, capaz de despertar em José Maurício e
Bianca os mais altos sonhos, merecidos para uma família tão linda como a que
formavam. Teve, portanto, “berço” familiar, bem alicerçado, naquilo que
aprendemos ser ligados aos princípios cristãos, de amor ao próximo e calor
humano.
Descobriu o amor muito cedo e se
apaixonou, perdidamente, por Rodrigo , seu primeiro, grande e verdadeiro amor.
Viveu, portanto, um lindo e desinteressado amor, capaz de superar qualquer
limite. Um amor abençoado por Deus, e fortalecido por ELE, diante da presença
de Ana Luíza (sua primeira filhinha, falecida ao nascer), diante da Vitória
(esse anjinho que ela deixou para nós) e diante mesmo da Valentina (filha que
foi com ela, pro céu).
Curta vida a de Camila, mas tão
rica de exemplos lindos, intensos e verdadeiros! Só viveu o amor - prova disso
é aquele sorriso aberto e a doçura de sua presença, em qualquer situação que
estivesse. E sua linda e triste morte? Camila morreu, com certeza, em estado de
graça. Muito bem lembrado pelo Pe. Murialdo, deu sua vida para dar a vida.
Isso, em tempos de tanta violência, é singular e motivo de muito orgulho e
felicidade para sua família e amigos! Soube testemunhar os ensinamentos de
Cristo, já que fez essa aprendizagem desde a casa de sua avó Maria Alice.
Para uma breve reflexão, quero,
diante da dor e comoção provocadas pelo momento, evocar o livro de Sabedoria 1,
versículo 13-15:
“Deus não é o autor da morte, nem
tem prazer em destruir os viventes. Tudo criou para a existência. São salutares
as criaturas do mundo. Nelas nenhum princípio é funesto, e a morte não é a
rainha da terra, porque a justiça é imortal”.
Bom lembrar que felicidade nem
sempre está junta da alegria, já que a alegria evolui a partir de motivos
externos. Felicidade é intrínseca e mais profunda. É possível ser feliz mesmo
quando não estamos alegres. Em muitos momentos árduos de nossas vidas, podemos
permanecer felizes por termos a certeza de que estamos nos lugares certos,
fazendo a coisa certa, dentro do contexto das nossas escolhas. Podemos
encontrar conforto, ainda que a vida esteja pesada, porque sabemos que estamos
onde verdadeiramente deveríamos estar. Importa reconhecer que, mesmo na
ausência de alegrias, a felicidade permanece motivando a luta, mesmo que
tenhamos dificuldade em compreender as coisas da vida, entre elas uma morte,
como a de Camila e a de Valentina, tão jovens e com tantos planos.
Lembra-nos o Pe. Fábio de Melo,
no seu livro “Tempo de Esperas”, que o mais importante na construção de nossas
vidas é o empenho na sua construção, não o resultado do que obtivemos. Nem
sempre o produto final é o mais importante, na vida. O resultado do que fizemos
pode ser pequeno, diante das oportunidades que o processo nos entrega. Mas
essas oportunidades da vida estão cheias de encantamentos, para quem sabe ver e
ouvir, interpretando-as como um presente de Deus. O empenho esconde a riqueza
do processo da descoberta, que esconde o encantamento de muitas oportunidades.
O caminho é belo e há matizes interessantes a serem observados.
A simplicidade da vida da
natureza pode aprimorar o aprendizado para nossas vidas. Em uma linguagem
metafórica, Pe. Fábio de Melo nos lembra que a morte do rio no mar sugere uma
transformação.
“Ao dizer que o destino de todo
rio é morrer no mar, isso nos sugere que haverá uma transformação. O que temos
é a possibilidade de continuidade. O rio, ao morrer no mar, se transforma.
Ganhou da vida uma nova maneira de continuar. Ao se misturar em outras águas,
ele entra numa nova perspectiva, avança, transforma-se, torna-se mais.”
Como é triste quando o rio acaba
antes do mar!... Isso acontece quando não há remanso suficiente para conduzi-lo
ao seu mistério final. Neste caso, seria acabar, antes de morrer. Mas não foi o
caso da Camila!... Podemos ter a certeza disso, pelo testemunho cristão de sua
vida e concretizada também pela solidariedade de encontros dos amigos,
percebida durante e após a sua morte, que agigantou o rio de sua vida e não
permitiu que ele se enfraquecesse ou ficasse só.
Só morre antes de chegar ao mar
quando lhe faltam afluentes, águas fraternas que lhe emprestem corpo para
chegar ao mar. Não foi mesmo o caso de Camila. Ela viveu plenamente, apesar de
sua tão pouca idade!... Uma filha de Deus, em todos os exemplos de sua vida.
Uma bênção para qualquer família. Uma vida santa e digna.
O sofrimento é o acontecimento
humano que coloca todos nós numa mesma plataforma. Quando sofremos e choramos,
somos todos iguais: sábios e ignorantes, mestres e aprendizes. E essa
solidariedade na dor, torna-se prova da autenticidade e plenitude da vida de
Camila. Conscientes da beleza de sua vida e de sua morte, mas sabendo que a
condição humana é marcada pela precariedade, não devemos deixar a vaidade ser
excessiva. A humildade também foi a tônica de sua vida, assim como deve ser a
de qualquer cristão.
Lembra o Pe. Fábio de Melo que
respeitar o sagrado é preservar o mistério, que faz o amor ser eterno. Flores
plantadas no lugar certo florescerão com alegria. Há sempre um lugar certo em
que precisamos estar. Eu preciso de Deus, essa força regente, absoluta,
determinante.
Se eu não me volto para
ELE, corro o risco de me desprender de minha possibilidade de ser feliz. No
finito que me envolve, posso descobrir o desafio de antecipar no tempo o que
NELE já está realizado. Eu DELE me apercebo, assim como o girassol se apercebe
do Sol, porque não pode viver sem a sua luz.
Como afirma o Pe. Fábio de Melo,
Deus é o guardião de todas as minhas possibilidades ontológicas. Deus é o nosso
Sol, e nós não poderíamos chegar a ser quem somos, em essência, se NELE não
pusermos a direção dos nossos olhos. Assim, precisamos descobrir nas realidades
humanas algumas escadarias que possam nos ajudar a chegar ao céu. Que todos nós
tenhamos esse discernimento.
Mas não podemos pensar que a
escadaria é o lugar definitivo de nossa busca. Parar os nossos olhos no humano,
que nos fala sobre Deus, é o mesmo que nos privar do direito a transcendência.
O humano é frágil, temporário, limitado, mas pode ser um condutor para podermos
encontrar o que verdadeiramente importa, que é a transcendência.
Nós somos como girassóis. Há em
cada um de nós uma essência que nos orienta para o verdadeiro lugar a que
precisamos chegar. Mas nem sempre realizamos o movimento de procura pela luz. O
girassol já sabe que só poderá ser feliz se para o Sol estiver orientado. É por
isso que não perde tempo com as sombras. Nós, seres humanos, precisamos
aprender isso.
A crença no Sagrado exige muita
grandeza humana. Crer em Deus é muito mais sofisticado que não crer, pois exige
sensibilidade e contemplação do amor. As nossas sábias experiências de vida
envolvem o nosso coração, expulsam e silenciam as lembranças que nos
infelicitam, para um novo homem reaparecer. A exemplo de Maria, quando viu seu
filho morrer, precisamos nos reconciliar com a verdadeira vida, feita de
sensações maduras, amorosas, alegres e felizes.
Depois da morte, a ressurreição é
a recompensa. A dor da morte é aguda, mas profundamente fecunda porque serve
como referencial para alguns questionamentos. A sabedoria carece de dor para
crescer. E não há nada que possa oferecer alento aos desatinos de nossas almas,
diante da simplicidade dessas circunstâncias, diante da morte. Este é o
mistério da dor, abrigo de nossas fragilidades e inquietações. Quando bem interpretado
e administrado com paciência, o sofrimento se transforma num impulso fantástico
para as superações que precisamos viver no prosseguimento da vida.
Que todos nós saibamos aproveitar
e nos aperfeiçoar com o exemplo deixado por Camila, que está hoje, com toda
certeza, no céu, pertinho de Deus e de Nossa Senhora. E que Deus a tenha, junto
com a Valentina e todos os nossos queridos que já passaram por nós.
Talita
Batista
Em 29 de setembro de 2012.