ZEZÉ versus DIDI
Poucas vezes conheci irmãos que se amaram tanto e se desentenderam com tanta freqüência.
Zezé era amigo, prestativo, carinhoso, mas muito implicante.
Didi era amiga, prestimosa, carinhosa, mas implicante também. E muito sensível. Ficava muito triste quando alguém a ofendia.
Jailma, fiel ajudante da Didi, era pivô de muitas discussões. Ela não era o único alvo. Mas como entrou na história bem no fim da novela, é sempre mais lembrada. O assunto “céu e inferno” era o preferido do Zezé. Mas, havia outros focos polêmicos também.
Didi, procurando transformar a Jailma em fiel seguidora de Jesus, aconselhava:
- Você precisa se converter, Jailma. A gente pode morrer a qualquer momento e, se não se converter, vai para o inferno na certa, e o inferno não é bom lugar para a gente ir. O sofrimento é eterno.
A Jailma prestava muita atenção e logo se convencia:
- É mesmo, Dona Elvira. Eu não quero ir para o inferno, não. Eu vou é me converter logo, para garantir meu lugar no céu.
Quando o Zezé ia visitar a Didi, ao ver a Jailma, alfinetava:
- Então, Jailma, o que é que a Didi falou com você sobre esse negócio de céu e inferno?
E a Jailma recitava o que já sabia de cor, por ter ouvido tantas vezes. E o Zezé jogava as suas farpas:
- E você acreditou no que a Didi falou, Jailma? Você é muito boba. Céu e inferno ficam aqui mesmo. Morreu, acabou! A Didi anda esclerosada e a cabeça dela não funciona bem. Não dê ouvidos a essa maluca. Ela está velha, coitada, não sabe o que diz.
E a Jailma se convencia, rapidamente, com os argumentos do Zezé. E dizia:
- Dr. Gastão, o senhor está certo. Céu e inferno é tudo aqui mesmo.
Ao ouvir o batepapo entre Jailma e Zezé, a Didi chamava a Jailma e perguntava:
- O que é que o Zezé estava dizendo para você?
E ela dizia:
- Que o céu e o inferno são aqui mesmo. No Brasil, no Estado do Rio e aqui em Campos.
Dona Elvira, já aborrecida, devolvia para Jailma:
- Eh, vai acreditando nas loucuras do Zezé. Você está é perdida.
E aí começava o famoso bate-boca entre Zezé e Didi. E falavam alto. Dona Elvira começava a chorar e o Zezé ficava aborrecido também. E dizia:
- Olha, Didi, não quero mais ouvir “abobrinhas”. Cansei. Não volto mais aqui.
E Dona Elvira devolvia:
- É bom mesmo. Para falar essas mentiras horríveis para a pobre da Jailma é melhor ficar para lá.
O Zezé saia pisando duro e pensando:
- Quem ela pensa que é? A “santarrona” Didi? Vou é deixar de visita-la e esperar que ela me procure.
Dona Elvira ficava chorando. E o Dr. Gastão saia rindo. Feliz por ter provocado lágrimas de raiva na Didi. Mas, pouco depois, a cabeça do irmão implicante sentia um peso enorme. Como é que pode? Amo tanto a minha irmã e fiz a pobrezinha chorar! E o remorso começava a corroer-lhe o coração. E se ela morrer de tristeza? Não vou me perdoar nunca! E começava a dramatizar. Em pensamento, via a Didi, pálida, no caixão cheio de flores. Suas feições estavam tristes e parecia ver lágrimas escorrendo de seus olhos fechados. Havia flores por todos os lados. Ele mesmo mandara fazer uma coroa grande, a mais linda com os dizeres: “Saudades eternas de seu irmão que a ama tanto”. E, como num delírio, via a Jailma com o dedo acusador em riste gritando: “Viu o que o senhor fez? Coitada da Dona Elvira. Morreu de tristeza porque o senhor brigou com ela”. E ele, sem querer, gritou: “Nãaaaaaaao!”. Parou o carro e entrou apressadamente na floricultura.
- O senhor está sentindo alguma coisa?
- Não. Vim comprar umas flores, as mais lindas que o senhor tiver aí. Não importa o preço. Minha irmã merece.
- É para entregar no endereço de sempre?
- Sim, senhor. Veja um cartão bem bonito. E escrevia a mais linda declaração de amor que um irmão sabe fazer.
E continuava seu caminho, agora mais aliviado. Dona Elvira (Didi) recebia as flores e ficava enternecida: “Que lindas! Só mesmo o Zezé para mandar flores tão especais. Ele não fala as coisas por mal. É que a sua cabeça já está ficando fraca. E ele, ao chegar à casa, ficava esperando o telefone tocar. Queria ouvir a voz da Didi. Ela não demorava a ligar:
- Alô, é Zezé?
- Sim, Didi, sou eu!
- Tudo bem? Quero agradecer as flores. São as mais lindas que eu já vi! Devem ter custado uma nota...
- Que nada, Didi, você merece! Se eu pudesse, mandaria para você todas as flores mais lindas do mundo...
- Quer vir almoçar comigo amanhã?
- Vou, sim, com prazer.
E as pazes eram feitas. Não, sem antes, muita “rasgação de seda”.
No outro dia, ambos estavam ansiosos pelo encontro. Casa bem arrumada, toalha bonita, as flores recebidas enfeitando a mesa com arte. Zezé chegou. Muitos abraços, E a Jailma já estava prevenida: “Fique longe do Zezé. Para ele não botar “caraminhola na sua cabeça”. “Sim, senhora”.
Mas, pouco tempo depois, não dava outra: enquanto a Didi buscava a sobremesa e a Jailma foi tirar a louça, Zezé, disfarçadamente, perguntou:
- A Didi ainda tem alugado o seu ouvido com aquelas “abobrinhas”?
- Ah, Dr, Gastão, não quero saber dessa história de que céu e inferno ficam aqui mesmo, não!
- Você não larga mesmo de ser boba, né Jailma? A Didi está caducando...
Dona Elvira, ao voltar com a sobremesa, viu a Jailma conversando com o Zezé e perguntou:
- O que é que o Zezé estava falando? E começava tudo de novo... Quem lucrava sempre era o dono da floricultura...
Outras vezes, quem ficava aborrecido era o Zezé. A Didi pegava pesado e dizia:
- Não fale mais comigo. Você já está passando dos limites.
E o Zezé, todo empinado, saia dizendo: “Não vai me fazer a menor falta! Será que ela pensa que vou pedir desculpas ou mandar flores? E ruim, hein!”... No outro dia, era a Didi quem ligava.
- Alô, é Zezé? Como vai?
- Ué, você não disse que eu não falasse mais com você?
- Disse, mas peço desculpas. Como cristã, eu não deveria falar assim. Peço perdão e que você esqueça o que eu falei. Afinal, somos irmãos e nos queremos muito bem, não é?
- Claro, tudo certo, por mim, tudo bem.
- Então venha almoçar comigo amanhã. Vou fazer aquele doce de que você gosta.
- Combinado. Amanhã, estarei aí.
Mais flores. Tudo bem, na mais perfeita paz, durante o almoço, a sobremesa e o cafezinho. Mas a Jailma não apareceu na sala de jantar e o Zezé logo perguntou:
- A Jailma não está mais trabalhando aqui? Cadê ela?
- Está lá dentro lavando louça. Falei com ela para não aparecer aqui nem dar ouvidos a você.
- Aí já é demais, não é Didi? Você fez lavagem cerebral na pobre da Jailma. Isso não se faz. Quem você pensa que é?
- O que não se faz é me acusar duma coisa dessas. Você não pensa no que diz e vai despejando suas ofenças sobre a gente.
E lá se foram para o “beleléu” as esperanças de paz. Novo choro. Novos arrependimentos, mais flores. O homem da floricultura nem perguntava mais o endereço da entrega: já sabia. Nessa história toda, tia Laeta era fantástica. Não aprovava as implicâncias do Zezé e achava muito bom que ele presenteasse a irmã com as mais lindas flores...
Dona Elvira ficou muito doente e o Zezé estava sempre presente. Tratava-a com muito carinho e levava flores pessoalmente, sem que tivessem discutido. Quando a Didi faleceu, Zezé ficou muito triste. Não só porque perdeu a irmã querida, mas porque não tinha mais com quem implicar... Isso era importante para ele.
Tia Laeta havia falecido algum tempo e tio Zezé casou-se com a querida Maria. Fui visitá-lo um pouco antes da sua partida. No hospital, ele ainda me falou: “A Didi era muito cabeça dura e muito teimosa” (engraçado: a Didi achava a mesma coisa dele).
Algum tempo depois da partida da Didi, Zezé começou a acordar de madrugada, chamar D. Maria e desabafar: “Eu tenho uma raiva de lembrar que poderia ter falado poucas e boas para Didi em tais e tais situações, e não falei. Eu deveria ter dito tudo que queria a ela. Agora, estou com isso atravessado na garganta”. E D. Maria lhe deu uma inteligente sugestão:
- Então, Zezé, vamos levantar agora, nos vestir e ir ao cemitério. Acordamos o coveiro, pagamos para abrir a sepultura, tirar o caixão da Didi e você vai falar tudo isso com ela. Mas não se esqueça de nada! Depois, não me acorde mais de madrugada para falar sobre isso.
Depois da morte da Didi, perdemos a Jailma de vista e, enfim, não sabemos de que lado ela ficou. Parece que Zezé não achou viável a sugestão de D. Maria. E não falou mais no assunto. Naturalmente, ele pensou que poderia “alugar” o ouvido da Didi no caixão e falar tudo o que deveria ser dito. Tudo, tudo mesmo! Mas, sabia que não ia ter em resposta, os argumentos e o choro dela.
E aí, não teria a menor graça...
Cleds Bussinguer Lenz César
(Nora da Didi)
Enviado por Celia Magalhães Portelli
Enviado por Celia Magalhães Portelli
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Um comentário Eclético:
Celinha! Que coisa mais linda, essa história!.... É assim mesmo, a realidade de pessoas de muitas famílias, uma mistura de atração e repulsão, de amor e ódio injustificados. Algumas vezes, senti-me muito identificada nesse enredo, pois o Luiz provoca isso na gente: a docilidade de um entezinho muito querido e a intransigência de um Ogro, daqueles bem rústicos, que nunca se amansará.
Temos que ir levando assim mesmo, já que o amamos tanto. E ele deve saber-se amado e vai "pintando" com nossos corações, ora provocando uns, ora outros, ora endeusando uns, para provocar outros, fazendo de seus parceiros os instrumentos que reforçam seus argumentos ou posições. Tudo sabe, nada desconhece, a não ser que finja uma ignorância ou modéstia, para lhe ser útil nos seus objetivos.
Mas foi muito bom, para entendermos melhor a sua adorável família!
Estou muito feliz por vocês terem se lembrado de mim com esse texto. Um beijo carinhoso, para você e seus irmãos, todos eles.
Temos que ir levando assim mesmo, já que o amamos tanto. E ele deve saber-se amado e vai "pintando" com nossos corações, ora provocando uns, ora outros, ora endeusando uns, para provocar outros, fazendo de seus parceiros os instrumentos que reforçam seus argumentos ou posições. Tudo sabe, nada desconhece, a não ser que finja uma ignorância ou modéstia, para lhe ser útil nos seus objetivos.
Mas foi muito bom, para entendermos melhor a sua adorável família!
Estou muito feliz por vocês terem se lembrado de mim com esse texto. Um beijo carinhoso, para você e seus irmãos, todos eles.
Talita.
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