Um dos personagens desta crônica, o Rinaldi José
Faes Rodrigues, faleceu ontem, vítima de um acidente, após a explosão de um
tanque de gasolina e vários dias internado. Dedico em sua memória esta modesta
crônica. Um grande abraço a todos!
1966.
Sávio Roberto Moreira Gomes
27/10/2010
No livro da estante encontro uma
ficha com minha assinatura e a data "1966".
Esforço-me para tentar lembrar qualquer coisa
relacionada aquele ano, mas me surpreendo em saber que além da data, são vagas
as lembranças.
Só me lembro que eu tinha 18 anos, trabalhava como
locutor numa rádio católica de minha cidade, estudava no Liceu de Humanidades
de Campos, e estava vivendo a minha primeira grande paixão amorosa.
Gostava de fazer longos passeios de bicicleta, ia
sempre à Lagoa de Cima, e fui algumas vezes à Atafona, a maioria das vezes,
sozinho. Ir à Atafona naquela época, significava enfrentar 40 quilômetros de
estrada "de chão", mas também tinha o sentido de um "rito de
passagem".
Meu pai e os meus tios tinham muitas vezes feito
este mesmo percurso. Ir à Atafona, de bicicleta ou a pé, virou uma espécie de
"hábito de família", e denotava "capacidade e força", algo
assim.
Aos poucos, a memória foi ampliando um pouco mais,
e aí surgiram a "Lambreta LD-50" e a "Vespa MI-3" do meu
pai, na qual eu usava bastante. Também íamos às nossas pescarias, eu, meu pai e
o meu irmão, às vezes também o Quincas, nosso amigo de infância e juventude.
Poucas as lembranças, escondidas ou perdidas nos
porões da mente, empoeiradas por detrás dos neurônios!
Naquela época, vivia metido dentro dos cinemas!
Ainda não tínhamos uma TV, o que só aconteceria em fevereiro do ano seguinte,
presente da minha tia Mercedes.
Ah, sim! Vem agora à luz, algumas importantes
lembranças! Meu pai e sua tesourona cortando os tecidos que se transformariam
em suntuosos e perfeitos ternos de seus fregueses! Ternos completos, com
direito ao "colete", tudo feito na mais precisa "marca de
giz"!Ah, como eu me sentia "importante" em montar na "Gulliver"
e ir comprar os "aviamentos" na Casa Brasil!
Na outra parte da sala, a "Singer" da
minha mãe, fazia quase um dueto com a "Pfaff" do meu pai! As duas
máquinas de costura tinham "timbres" diferentes, mas acabavam por
entrar em "cadência", uma mais "grave" e a outra, mais
leve, mais pro "agudo"...
Caindo mais um pouco do pó da memória, surgem as
tardes de domingo, onde vários amigos que se apresentavam na Rádio Campista
Afonsiana, nos programas de auditório, iam todos pra minha casa. Waldir de
Souza, "O Trovador da Planície", o sobrinho dele, Ismael, o Joaquim
José, o "Kiri" e muitos outros!
Foi nesta época que o meu irmão Sérgio Máximo deu
seus primeiros passos no violão! Curiosamente, a minha irmã Sílvia, que
estudava acordeon, não tocava conosco, mas, a minha irmã Suely gostava da cantar,
e muito bem, por sinal.
Pensando bem, os meus pais eram bem tolerantes, e
nunca reclamaram, nem mesmo quando eu resolvia fazer um "baile" em
casa, com a radiola emprestada pelo companheiro de rádio, o Rinaldi, a todo
volume!
É mesmo! Naquela época, era muito comum os bailes
"em casa de família", e como juntava gente, muitos, verdadeiros
"penetras"! Nada posso falar, pois eu mesmo fui "penetra"
em muitos destes bailes, e em algumas vezes, tive que "sair batido",
para evitar confusão.
Apesar de ser um período de grandes dificuldades
financeiras para a minha família, vivíamos felizes! Hoje me dou conta, que
grande parte disto tudo tinha por fundamento a estreita e harmoniosa relação
afetiva dos meus pais!
Vivíamos tão juntos e tão afetivamente, que nem nos
dávamos conta da absoluta tranqüilidade em que vivíamos.
Era uma vida completamente simples, sem nenhuma
possibilidade de sobressaltos!
A rotina familiar quase sincrônica, as visitas de
meus avós paternos sempre após a missa de domingo, o ir e vir dos netos também
à casa dos avós!
Recordo-me agora dos pássaros que visitavam o nosso
quintal! Sanhaços, sabiás, tiês, coleiros, tizius, e tantos outros, que sem
perceber como, desapareceram!
1966, por assim dizer, não me parecia muito
diferente dos anos anteriores! O "progresso" era bem lento naquele
período, e mesmo jovens da minha idade, ainda guardavam muito do
"menino" de pouco tempo antes!
A rua em que morava foi mudando de modo tão
sorrateiro, que nem percebi! Só sei que "mudou" por uma visão de
agora!
Não sei se eu tenho uma foto de quando eu tinha 18
anos! Talvez tenha alguma, de uma carteira de estudante, coisa assim. Não era
muito fotografado, e por uma "mania" pessoal, evitava as máquinas
fotográficas...
1966! Um ano dentro de já tantos anos da minha
vida!
De um tempo em que eu não fazia
conta do próprio tempo, como se o mesmo fosse eterno e imutável!
__Mas, hoje vejo, até a minha
assinatura não é a mesma!
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