A
VIDA PASSA
Agenor
Portelli Teixeira Magalhães
Numa das últimas
antologias do Entre Nós, Luiz selecionou um texto admirável escrito por papai,
em que ele, no outono da vida, voltou o pensamento à criança que foi revivendo
os tempos idos. Meu primo pastor Kleos escreveu um livro: Já fui jovem, hoje sou velho e daí? Nesse livro ele reage ao desdém com que algumas pessoas tratam os
idosos, que usam expressões como: puxa como você está velho!
Nos últimos anos escrevi para nossos encontros pequenas
historietas dos tempos de criança.
Depois que a idade avançada
chega deixamos de viver novas historias, tudo agora é função do passado, o hoje
perde importância e o que fizemos ou deixamos de fazer passa a ser o sentido da
nossa existência. A nostalgia vem, as dificuldades físicas e pequenos problemas
de saúde se manifestam e então o que nos resta são as peraltices, as
estripulias, façanhas, vitórias e derrotas que marcaram nosso corpo e nosso
coração infanto-juvenil. Porque fiz isso ou deixei de fazer aquilo é o renascer
da vontade de reescrever nossa historia a partir do conhecimento e
discernimento que adquirimos em experiências ao longo dos anos de
amadurecimento.
Quando olho para
Heloísa ao meu lado, ainda cheia de vida e energia, estou vendo aquela menina
com seus dezoito anos e um incisivo fraturado. É inacreditável que o tempo
tenha passado tão rápido, as lembranças estão tão vivas como se tivéssemos dado
um pulo enorme no tempo.
Alquebrado,
vejo as mãos ainda ágeis de Heloisa, ora alinhavando os tecidos que a ocupam
dia e noite, intercalados com cochilos, ora fazendo afagos nas netas. Olho para minhas mãos e vejo a pele enrugada,
encardida e ressecada mostrando a irreversibilidade do ciclo da vida.
Com os olhos de menino
vejo vovó sentada na cadeira de balanço cerzindo desgastadas meias a ouvir a
novela pelo velho rádio enquanto vovô cochila na rede entre um pigarro e outro
que assusta a fiel cadela.
Pela janela do velho
hotel de Conservatória aguardo a chegada do trem na estação que se anuncia com
apitos na entrada do túnel. O relógio da mesinha de cabeceira indica cerca de
dezoito horas. A decepção estampa na
minha face de menino, ao silêncio na
estação, solto as lagrimas incontidas. Dias, semanas de espera, não dá para
saber, os chutes nos pintinhos do José Nossar são a única reação possível, uma
vingança, quem sabe.
As escaladas no morro
atrás da estação para fincar a bandeira nacional e os passeios pelo rio e a
travessia pelas pinguelas estreitas são as últimas lembranças de criança
naquele vilarejo esquecido no tempo.
Pela
porta aberta da sala, recostado no surrado sofá, na mesma velha piscina que vi
crescer os filhos agora assisto ao sorriso das netas a se banharem,
testemunhas que a vida está passando.
Termino
com um poema encontrado no bolso do advogado de Al Capone, Easy Eddie, morto em
um tiroteio em uma rua de Chicago:
“O relógio da vida recebe corda apenas uma vez
E nenhum homem tem o poder de
decidir quando os ponteiros
pararão, se mais cedo ou mais
tarde.
Agora é o único tempo que você
possui.
Viva, ame e trabalhe com vontade.
Não ponha nenhuma esperança no
tempo, pois o relógio pode parar
a qualquer momento.”
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