segunda-feira, 4 de junho de 2012

A Vida Passa


A VIDA PASSA
Agenor Portelli Teixeira Magalhães

Numa das últimas antologias do Entre Nós, Luiz selecionou um texto admirável escrito por papai, em que ele, no outono da vida, voltou o pensamento à criança que foi revivendo os tempos idos. Meu primo pastor Kleos escreveu um livro: Já fui jovem, hoje sou velho e daí? Nesse livro ele reage ao  desdém com que algumas pessoas tratam os idosos, que usam expressões como: puxa como você está velho!
Nos últimos  anos escrevi para nossos encontros pequenas historietas dos tempos de criança. 
Depois que a idade avançada chega deixamos de viver novas historias, tudo agora é função do passado, o hoje perde importância e o que fizemos ou deixamos de fazer passa a ser o sentido da nossa existência. A nostalgia vem, as dificuldades físicas e pequenos problemas de saúde se manifestam e então o que nos resta são as peraltices, as estripulias, façanhas, vitórias e derrotas que marcaram nosso corpo e nosso coração infanto-juvenil. Porque fiz isso ou deixei de fazer aquilo é o renascer da vontade de reescrever nossa historia a partir do conhecimento e discernimento que adquirimos em experiências ao longo dos anos de amadurecimento.
Quando olho para Heloísa ao meu lado, ainda cheia de vida e energia, estou vendo aquela menina com seus dezoito anos e um incisivo fraturado. É inacreditável que o tempo tenha passado tão rápido, as lembranças estão tão vivas como se tivéssemos dado um pulo enorme no tempo.
Alquebrado, vejo as mãos ainda ágeis de Heloisa, ora alinhavando os tecidos que a ocupam dia e noite, intercalados com cochilos, ora fazendo afagos nas netas.  Olho para minhas mãos e vejo a pele enrugada, encardida e ressecada mostrando a irreversibilidade do ciclo da vida.
Com os olhos de menino vejo vovó sentada na cadeira de balanço cerzindo desgastadas meias a ouvir a novela pelo velho rádio enquanto vovô cochila na rede entre um pigarro e outro que assusta a fiel cadela.
Pela janela do velho hotel de Conservatória aguardo a chegada do trem na estação que se anuncia com apitos na entrada do túnel. O relógio da mesinha de cabeceira indica cerca de dezoito horas.  A decepção estampa na minha  face de menino, ao silêncio na estação, solto as lagrimas incontidas. Dias, semanas de espera, não dá para saber, os chutes nos pintinhos do José Nossar são a única reação possível, uma vingança, quem sabe.
As escaladas no morro atrás da estação para fincar a bandeira nacional e os passeios pelo rio e a travessia pelas pinguelas estreitas são as últimas lembranças de criança naquele vilarejo esquecido no tempo.
Pela porta aberta da sala, recostado no surrado sofá, na mesma velha piscina que vi crescer os filhos agora assisto ao sorriso das netas a se banharem, testemunhas  que a vida está passando.
Termino com um poema encontrado no bolso do advogado de Al Capone, Easy Eddie, morto em um tiroteio em uma rua de Chicago:

“O relógio da vida recebe corda apenas uma vez
 E nenhum homem tem o poder de decidir quando os ponteiros
 pararão, se mais cedo ou mais tarde.
 Agora é o único tempo que você possui.
 Viva, ame e trabalhe com vontade.
 Não ponha nenhuma esperança no tempo, pois o relógio pode parar
 a qualquer momento.”

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