Autoria: Agenor Portelli Teixeira Magalhães
0ntem recebi a
visita do Cláudio e Irene, nossos melhores amigos. Como todos sabem, fiquei
anti-social há um bom tempo e o casal é um dos raros que nos honra com sua visita.
Eles estavam
chegando de Paris onde deixaram um rastro de destruição sem precedentes, só
visto na tomada da Bastilha. Anteriormente, eles estiveram na Ásia e saíram a tempo
de se livrarem do tsunami.
Mostraram as
fotografias de Paris, os locais por onde andaram e depois começamos a falar da
corrupção. Eta “assuntozinho” inevitável em qualquer roda. Eu e o meu amigo combinamos
que não devemos discutir futebol (ele é Flamengo e eu Vasco), nem religião (ele
é católico praticante e eu sou livre-pensador), e na política ele votou no Ciro
e eu no Garotinho. Em comum nossa repulsa a Lula e sua equipe da fuzarca.
O amigo me
procurou para saber o que íamos fazer depois de aposentados. Ele é auditor da
receita federal e viaja todo ano para o exterior enquanto o lugar mais longe
que alcancei foi uma pousada na Estrada Teresópolis-Friburgo. Ele propôs, quando aposentarmos, comprar um
terreno em Camboinhas e construirmos um bloco de apartamentos. Chamaríamos outros
conhecidos para a empreitada. Ponderei que o aforamento e laudêmio na região iría
atrapalhar as vendas. Concordou e propôs fazermos então uma pousada. Achei boa
idéia, mas discordei quando propôs que vendêssemos depois de posta em funcionamento. Fizemos
as contas e achamos que iríamos ficar ricos, isso depois de velhos. Na hora de
distribuirmos a receita começou as desavenças, ele achava que devíamos
reinvestir em outro negocio e eu achava que devíamos parar por ali, pois a
idade avançada não recomendava novas investidas em um ramo com riscos, ainda mais
com essa desconfiança do mercado sobre o efeito Lula-Palocci. Não houve consenso
e como nossa amizade já tem 50 anos desistimos de ficar ricos.
À noite não consegui
conciliar o sono. Achei que tinha exagerado nas criticas aos projetos do meu
amigo e fiquei a pensar se não o teria ferido de alguma forma. Havia esquecido
a lição de Yancey. Depois de rolar a cabeça no travesseiro por vezes sem fim
sentei na cama sobressaltado.
O que me
incomodava o sono não eram as divergências com o meu amigo, pois me lembrei que
durante a manhã, no trabalho, uma colega me pedira para ajudá-la a resolver um
problema muito sério na sua rua. Começou apelando aos meus brios de cidadão:
- “O senhor
que é entendido em laudêmio, pode me ajudar a resolver o problema dos mendigos
da minha rua. Eles ficam na calçada do Banco Itaú ocupando todo o espaço,
brigam, discutem, fazem sexo e necessidades fisiológicas ali mesmo, sem que o
poder público resolva esse grave problema social”.
Ultimamente
ela me ouvia falar muito ao telefone sobre laudêmio e concluiu que problemas sócio-econômicos
eram comigo mesmo. Na verdade eu já tinha tido uma boa experiência com
mendigos. No bairro do Vital Brasil, onde resido, os mendigos ocupavam a praça,
faziam algazarra, impedindo que as crianças usufruíssem equipamentos de lazer.
Moradores me procuraram para se queixar, pois os mendigos dormiam nos bancos e ali
mantinham relações sexuais.
Aceitei a
incumbência dos moradores e tomei atitude. Cheguei lá na praça e com autoridade
dei um ultimato: - vocês tem meia-hora para juntar suas tralhas e sumirem do
bairro. Vão para a Praça de Icaraí, do Ingá, campo de São Bento, o raio que os parta,
mas aqui não quero vê-los mais. Não contestaram e fui embora. À noite,
retornando do trabalho, saltei do ônibus na parada da praça e fui verificar o
resultado. Não havia mais nenhum mendigo.
E assim foram os dias que se sucederam até que numa caminhada que fiz pelo
bairro ouvi vozes embaixo da ponte do canal. Fui verificar, pensando que eram operários
da prefeitura fazendo a limpeza do canal, e encontrei os cinco mendigos morando
embaixo da ponte. E ainda me acenaram com as mãos.
Com essa
experiência, e lembrando que antigamente mendigos foram jogados no rio da
Guarda, respondi à colega:
-“Não tem
jeito para mendigo, ninguém consegue resolver esse problema. Agora estão botando
fogo em mendigo”.
Uma centelha
fez-me sentar na cama, e me questionei se àquela hora alguém não estaria prestes
a tocar fogo nos mendigos mencionados pela colega.
Sem que Heloisa
percebesse, levantei-me, vesti-me rapidamente, peguei o carro e toquei para a Rua
Gavião Peixoto. Eram cerca de 2 horas da manhã.
Estavam todos
lá, os mendigos do Banco Itaú. Apesar do calor sufocante, eles estavam envoltos
em trapos esfarrapados e mal cheirosos. Fiquei a pensar por que eles sempre
escolhem as marquises dos Bancos. Observei que na calçada do Unibanco, do
Bradesco, da Caixa Econômica estavam mais moradores de rua dormindo. Por que os
gerentes dos bancos não os expulsavam? Seria uma forma de se redimirem dos seus
altos lucros propiciados pela política daquele a quem chamo de cabo Anselmo do
PT?
Fiquei ali de
plantão, para não deixar que nada acontecesse àquele bando. O cheiro era ruim, causado
pelo suor gorduroso oxidado de pele macilenta e pela urina que empestavam o ar.
Pisei em alguma coisa pastosa e exalou um cheiro insuportável. Quanto mais
limpava a sola do sapato na quina do meio-fio mais fedia. Nada fede tanto
quanto merda de mendigo. Arreh. Soltei um palavrão.
De repente, um
mendigo acordou e me viu. Olhando-me desconfiado, cutucou o companheiro do lado
que também ergueu a cabeça e, após alguns segundos, perguntou:
- O que você
quer?
-Sem saber o que
responder, disse:
-Sou o Anjo da
Marquise.
Mais alguns instantes
de silencio e pareceu-me que ficaram tranqüilos e recostaram as cabeças um no
outro e entraram num sono profundo dos justos.
Já eram cinco
horas da manhã e o dia começava a clarear. Assim que a visibilidade ficou patente,
achei que a minha vigília poderia ser suspensa. Cheguei em casa e fui direto
para o computador escrever, com uma idéia fixa: Anjo da Marquise. De onde meu subconsciente
havia tirado aquilo? Afinal quem são os anjos da marquise? Onde eu teria ouvido
isso?
Acordei
suando, meio aterrorizado com aquele sonho sobre moradores de rua. Vesti-me
rápido. Peguei o carro e cheguei em Icaraí. Infelizmente não tive tempo
de evitar que Leandro da Silva Águas, de 21 anos, fosse incendiado por outros
moradores de rua em briga por espaço para dormir.
Junho/2008
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