A coragem é
o que dá sentido à liberdade
Com essa frase, meu pai, José
Genoino Neto, cearense, brasileiro, casado, pai de três filhos, avô de dois
netos, explicou-me como estava se sentindo em relação à condenação que hoje,
dia 9 de outubro, foi confirmada. Uma frase saída do livro que está lendo
atualmente e que me levou por um caminho enorme de recordações e de perguntas
que realmente não têm resposta.
Lembro-me que quando comecei a
ser consciente daquilo que meus pais tinham feito e especialmente sofrido, ao
enfrentar a ditadura militar, vinha-me uma pergunta à minha mente: será que se
eu vivesse algo assim teria essa mesma coragem de colocar a luta política acima
do conforto e do bem estar individual? Teria coragem de enfrentar dor e
injustiça em nome da democracia?
Eu não tenho essa resposta,
mas relembrar essas perguntas me fez pensar em muitas outras que talvez, em
meio a toda essa balbúrdia, merecem ser consideradas...
Você seria perseverante o
suficiente para andar todos os dias 14 km pelo sertão do Ceará para poder
freqüentar uma escola? Teria a coragem suficiente de escrever aos seus pais uma
carta de despedida e partir para a selva amazônica buscando construir uma forma
de resistência a um regime militar? Conseguiria agüentar torturas freqüentes e
constantes, como pau de arara, queimaduras, choques e afogamentos sem perder a
cabeça e partir para a delação? Encontraria forças para presenciar sua futura
companheira de vida e de amor ser torturada na sua frente? E seria perseverante
o suficiente ao esperar 5 anos dentro de uma prisão até que o regime político
de seu país lhe desse a liberdade?
E sigo...
Você seria corajoso o suficiente
para enfrentar eleições nacionais sem nenhuma condição financeira? E não se
envergonharia de sacrificar as escassas economias familiares para poder
adquirir um terno e assim ser possível exercer seu mandato de deputado federal?
E teria coragem de ao longo de 20 anos na câmara dos deputados defender os
homossexuais, o aborto e os menos favorecidos? E quando todos estivessem
desejando estar ao seu lado, e sua posição fosse de destaque, teria a decência
e a honra de nunca aceitar nada que não fosse o respeito e o diálogo aberto?
Meu pai teve coragem de fazer
tudo isso e muito mais. São mais de 40 anos dedicados à luta política. Nunca,
jamais para benefício pessoal. Hoje e sempre, empenhado em defender aquilo que
acredita e que eu ouvi de sua boca pela primeira vez aos 8 anos de idade quando
reclamava de sua ausência: a única coisa que quero, Mimi, é melhorar a vida das
pessoas...
Este seu desejo, que tanto me fez
e me faz sentir um enorme orgulho de ser filha de quem sou, não foi o
suficiente para que meu pai pudesse ter sua trajetória defendida. Não foi o
suficiente para que ganhasse o respeito dos meios de comunicação de nosso
Brasil, meios esses que deveriam ser olhados através de outras tantas
perguntas...
Você teria coragem de assumir
como profissão a manipulação de informações e a especulação? Sentir-se-ia
feliz, praticamente em êxtase, em poder noticiar a tragédia de um político
honrado? Acharia uma excelente idéia congregar 200 pessoas na porta de uma casa
familiar em nome de causar um pânico na televisão? Teria coragem de mandar um
fotógrafo às portas de um hospital no dia de um político realizar um
procedimento cardíaco? Dedicaria suas energias a colocar-se em dia de eleição a
falar, com a boca colada na orelha de uma pessoa, sobre o medo a uma prisão que
essa mesma pessoa já vivenciou nos piores anos do Brasil?
Pois os meios de comunicação
desse nosso país sim tiveram coragem de fazer isso tudo e muito mais.
Hoje, nesse dia tão triste, pode
parecer que ganharam, que seus objetivos foram alcançados. Mas ao encontrar-me
com meu pai e sua disposição para lutar e se defender, vejo que apenas deram
forças para que esse genuíno homem possa continuar sua história de garra,
HONESTIDADE e defesa daquilo que sempre acreditou.
Nossa família entra agora em um
período de incertezas. Não sabemos o que virá e para que seja possível agüentar
o que vem pela frente pedimos encarecidamente o seu apoio. Seja divulgando esse
e/ou outros textos que existem em apoio ao meu pai, seja ajudando no cuidado a
duas crianças de 4 e 5 anos que idolatram o avô e que talvez tenham que ficar
sem sua presença, seja simplesmente mandando uma palavra de carinho. Nesse
momento qualquer atitude, qualquer pequeno gesto nos ajuda, nos fortalece e nos
alimenta para ajudar meu pai.
Ele lutará até o fim pela defesa
de sua inocência. Não ficará de braços cruzados aceitando aquilo que a mídia e
alguns setores da política brasileira querem que todos acreditem e, marca de
sua trajetória, está muito bem e muito firme neste propósito, o de defesa de
sua INOCÊNCIA e de sua HONESTIDADE. Vocês que aqui nos lêem sabem de nossa
vida, de nossos princípios e de nossos valores. E sabem que, agora, em um dos
momentos mais difíceis de nossa vida, reconhecemos aqui humildemente a ajuda
que precisamos de todos, para que possamos seguir em frente.
Com toda minha gratidão, amor e
carinho,
Miruna Genoino
Resposta de Uma Brasileira a Miruna Genuíno
Embora solidária com seu
sofrimento, como uma das cidadãs a quem sua carta é dirigida, não posso me
furtar a respondê-la com muita franqueza.
Estranho seria se você, que teve
um pai amoroso e que vê esse pai ser um avô dedicado e apaixonado por seus
netos, não o defendesse.
Mas pare e pense: você acredita
mesmo que nossa Imprensa odeia o governo Lula apenas porque esse cidadão era um
operário? Você realmente acha que todos os membros da Imprensa nacional são
aristocratas que odeiam a plebe? Será que você não se lembra da força e da
torcida da maior parte da Imprensa pela anistia e do prazer com que ela relatou
a volta dos exilados?
É à Imprensa, aos seus
jornalistas e repórteres, que devemos, em grande parte, a maior parte, aliás, a
queda da Ditadura. Se nossos jornalistas não encampassem a luta contra os
militares, nós ainda estaríamos sob seu jugo.
Ainda há alucinados que gritam Selva!
Mas veja você que a grande Imprensa não lhes dá guarida.
Seu pai cometeu um grave erro:
seguir cegamente uma ideologia e acreditar que o PT seria o partido certo para
implantar essa ideologia. E não perceber que estava seguindo dois homens que
tinham um interesse apenas: o poder pessoal. A qualquer preço.
Você já se perguntou para que
eles queriam esse poder? Convive com eles? São homens probos tal qual seu pai?
Vivem vida simples e regrada como seu pai e sua família? Eles se dispuseram a
inocentar seu pai, confessando, em juízo, que ele foi vítima de um esquema
tenebroso?
Não lhe passa pela cabeça que seu
pai foi muito ingênuo?
Sinto muito pelo seu sofrimento. Mas
penso que sua carta deveria ser destinada ao Lula e a ao José Dirceu.
Atenciosamente,
Maria Helena Rubinato Rodrigues
de Sousa
OUTRA RESPOSTA PARA A CARTINHA ABERTA DA FILHA DE
GENOÍNO.
Bom, como a carta aberta da filha de Genoíno é
endereçada A TODOS OS BRASILEIROS, e eu, como carioca da gema, filho agradecido
de nordestino cabra da peste e de uma mineirinha de 1.57cm, enfezada feito uma
capeta menstruada, tenho, por óbvio, o direito de responder.
Querida Miruna, me solidarizo, sinceramente, com sua dor.
Um filho ou filha, agradecidos ao pai que lhes trouxe ao mundo, funciona como
um advogado, quando da defesa de um réu.
Lamentavelmente, o fato de ser avô, ter dois filhos e 3
netos, por si só, não garante que um cidadão que se enquadre nesta condição
seja elevado à condição acima de quaisquer suspeitas.
Fernandinho Beira Mar é pai. Tem 4 filhos (reconhecidos)
e também é avô de dois netos e isso, convenhamos, não serve de passaporte para
a impunidade.
Infelizmente Você teve a CONSCIÊNCIA do que seu pai fez
durante o REGIME MILITAR. Eu, ao contrário de você, vivi todos os piores
momentos daquela época.
Não estranhe o fato: MAS MUITOS BRASILEIROS COLOCARAM SUAS VIDAS EM RISCO,
ACIMA DO CONFORTO E DO BEM ESTAR INDIVIDUAL, para resgatar nossa democracia. Eu
estava nesse meio, como outros milhares de brasileiros. E comecei a fazer isso,
com apenas 16 anos de idade.
Seu pai, ao contrário do que afirmas, causou mais dor do
que tenha sentido. Basta que você leia sobre a guerrilha do Araguaia, motivo de
orgulho de seu pai, para saber o que realmente ali se passou. Os justiçamentos,
os seqüestros, os assaltos, tudo registrado nos arquivos com ambas as visões: a
fantasiosa e a verdadeira. A de bandidos que queriam se transformar em heróis e
heróis que foram transformados em bandidos pelos filósofos a soldo do
petralhismo, por jornalistas engajados e historiadores que fraudaram a
história.
Você, com acerto, diz não ter as respostas para as
perguntas que se faz, ao contrário dos que vivenciaram cada frame negro daquele
filme. Hoje, quem viveu aquele momento, sabe as respostas de todas as
perguntas, e sabem que faltam perguntas para tantas respostas.
Por exemplo:
Que “forma de resistência” é essa que falas? Os
justiçamentos ocorridos no Araguaia pela SIMPLES DESCONFIANÇA DE QUE UM
COMPANHEIRO ESTAVA TRAINDO O GRUPO? O assassinato a marteladas de um jovem
tenente que acreditou nas promessas dos guerrilheiros e resolveu se entregar?
Uma bomba deixada no aeroporto de Guararapes que deixou 17 vítimas e dois
inocentes mortos? Ou a que matou um jovem soldado de apenas 19 anos de idade?
São mais de 40 anos de vida política, diz você.
Excetuando-se todas as falsas glorificações dos heróis bandidos, o que sobra de
vida de seu pai, se é que cometeu algo de louvável, restou findo no dia de hoje
e de forma DEMOCRÁTICA, LEGAL, SEGUNDO O ORDENAMENTO JURÍDICO DE NOSSA NAÇÃO e
ONDE LHE FOI DADO TODO O DIREITO À AMPLA DEFESA que, diga-se, centrou na mais
cínica mentira que seu próprio texto, nas entrelinhas, conclui.
E aí, Miruna, chegou a hora de você apresentar respostas
para as perguntas sobre as respostas que temos:
1) Sendo seu pai tudo o que você descreve com esse belo
amor de filha, como pode eLLe não saber de nada do que era feito bem debaixo de
seu nariz?
2) Sendo esse HOMEM PRESUMIDAMENTE, POR VOCÊ, CORAJOSO
COMO SEMPRE FOI, segundo diz você, POR QUE ELLE NÃO DISSE NÃO AO QUE OUTROS
FAZIAM E AINDA COLOCANDO SUA ASSINATURA PESSOAL EM EMPRÉSTIMOS FRAUDULENTOS?
3) SENDO ESSE HOMEM TÃO COMBATIVO QUE SEU AMOR FRATERNO
DESCREVE, POR QUE ELLE NÃO IMPEDIU QUE SE COMETESSE UM CRIME NOJENTO, BEM
DEBAIXO DO SEU NARIZ, QUE PODERIA CHEGAR AO QUE CHEGAMOS HOJE?
4) SE ELLE LHE DISSE, AOS 8 ANOS: “MIMI, QUERO MELHORAR A
VIDA DAS PESSOAS”, então por que permitiu que uma quadrilha roubasse a grana de
milhões de brasileiros que trabalham diuturnamente para pagar impostos
escorchantes que foram roubados em nome de uma causa?
5) Suponhamos, Mimi, que seu pai soubesse de tudo o que
aconteceu nesse episódio tenebroso que atentou contra a nossa democracia,
pergunto: Então, por que não saiu do partido? Por que comemorou várias vezes
com muitos integrantes do bando as “vitórias” do governo, compradas com
dinheiro sujo?
6) E a pergunta final Mimi: POR QUE, TENDO TODAS AS CHANCES DE SE DEFENDER, NÃO
O FEZ DE FORMA CABAL, ONDE NÃO RESTASSEM DÚVIDAS SOBRE SUA ATUAÇÃO? POR QUE
MENTIU TANTO? POR QUE, CORAJOSO, NÃO OPTOU PELA VERDADE?
Ah, Mimi, não recrimine “os meios de comunicação” desta
nossa nação. Muitos jornalistas se esmeram em produzir e divulgar as farsas
aprontadas por LuLLa e sua quadrilha. Mas ela, Mimi, ainda é livre. Na
Argentina, cujo governo da doida que seu pai defende, a imprensa está sendo
cassada. Em Cuba ela só existe para falar bem do governo assassino que seu pai
defende. Na Venezuela, as versões que prevalecem, são as oficiais. As poucas
que falam a verdade, ou foram “estatizadas” ou “foram eliminadas”. Todos estes
exemplos de democracia, são defendidos pelo seu querido pai.
Seu pai terá, como preza nossa democracia, o pleno
direito de espernear o quanto quiser. Faz parte.
Da mesma forma, temos o direito de torcer para que a pena
que lhe seja imposta seja suficientemente grande, para que não retorne como
falso herói novamente.
Se pai Miruna, com toda a razão e compreensão que nos
cabe ter neste momento difícil que vives, pode ser o HERÓI que sua visão
enxerga. É o seu papel de filha e lhe admiro por isso.
Mas para nós brasileiros, que cansamos de impunidade, que
cansamos das mentiras contadas por LuLLa e amplamente defendidas por seu pai,
que cansamos do cinismo com que fomos tratados, que quase desistimos de lutar
por esta nação, ao constatarmos todos os dias que os bandidos de sempre
impunham à milhões de brasileiros uma pauta sobre a qual não nos cabia o
direito de defesa, seu pai não passa de um bandido covarde que ajudou a roubar
o dinheiro que poderia construir escolas, creches, hospitais, comprar
medicamentos para quem não tem como pagar, dar casas para quem não tem onde
morar e realmente, como eLLe lhe disse aos 8 anos: “que a única coisa que
queria, era melhorar a vida das pessoas”.
Sinto muito Miruna pela sua dor e pelo momento difícil
que estás passando.
Mas não nos tire o direito de sentir uma alegria
esfuziante por ver resgatada a justiça que parecia nos ter abandonado. Não nos
tire a alegria de poder constatar que um Brasil mais justo e mais honesto, mais
verdadeiro e menos cheio de farsantes e mentirosos esteja, finalmente,
renascendo.
Lamento te dizer Miruna, mas a sua dor é do tamanho exato
da alegria das pessoas decentes. Do simples carteiro que encontra uma mala de
dinheiro e devolve, ao invés de escondê-la nas cuecas, como fez seu tio, das
pessoas que trabalham incansavelmente para dar um futuro melhor para seus
filhos, sem praticar qualquer tipo de crime. Do policial que prende quem tenta
lhe subornar. Do juiz que julga de forma imparcial um réu, seja ele quem for.
Do político que honra os votos que recebeu.
A sua tristeza, Miruna, é a compreensível tristeza de
filha.
A minha alegria, ao ver seu pai preso, pagando pelos
crimes que cometeu, é a de um brasileiro que quer deixar para os netos, um país
LIMPO – JUSTO – HONESTO e COM PLENO EXERCÍCIO DA MAIS LIVRE E RESPONSÁVEL
DEMOCRACIA.
Por fim Miruna, não "É A CORAGEM QUE DÁ SENTIDO À LIBERDADE", como
você disse nas primeiras linhas de sua cartinha, mas o medo de perdê-la. A
CORAGEM, querida e competente filha, só é necessária para se defender a verdade
como norte, quando todos defendem a mentira como método.
Manuel Santos