sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

São Jorge de Bordel




Texto escrito por Augusto Nunes, extraído do seu próprio blog.

O São Jorge de bordel nem desconfia que farra foi longe demais e a
casa pode cair.

Em agosto de 2005, publiquei no Jornal do Brasil, com o título "São
Jorge de Bordel", o seguinte artigo:

Antes da revolução dos costumes desencadeada nos anos 60, era bem
menos divertida a vida de adolescente em cidade pequena. As moças se
casavam virgens, motel só aparecia em filme americano, drive-in era
coisa da capital. A esfregação nunca ia muito longe. E também os
jovens nada saberiam de sexo se não houvesse uma zona em qualquer
município com mais de 10 mil habitantes.

Ninguém chamava pelo nome completo ─ zona do meretrício ─ aquele
punhado de casas com uma luz vermelha na varanda, plantadas no difuso
território onde a cidade já acabou sem que o campo tenha começado. O
mobiliário se limitava à mesa com cinco ou seis cadeiras, um sofá,
três ou quatro poltronas e uma vitrola antiga. Às vezes, nem isso. O
que não podia faltar eram a cama de casal em cada quarto e o quadro de
São Jorge na parede da sala.

Bonito, aquilo. Os trajes de guerreiro, o corcel colérico, a lança em
riste, o dragão subjugado, as imagens beligerantes contrastavam
esplendidamente com a expressão beatífica. Todo santo de retrato é
sereno, mas nenhum se mete com monstros que soltam fogo pelas ventas.
Só um São Jorge de bordel poderia arrostar tamanho perigo com aquela
placidez que sublinhava o espetáculo da coragem.

Concentrado no duelo tremendo, o exterminador de dragões não prestava
a menor atenção no que acontecia fora do retrato. Na sala, prostitutas
e clientes negociavam o acerto que os levaria a algum dos quartos
escurecidos pela meia-luz que eternizava o crepúsculo. Deles não
paravam de chegar sons muito suspeitos, mas o santo guerreiro nada
ouvia. Estava na parede para proteger a zona do meretrício, não para
vigiá-la. Quem luta com dragões não perde tempo com batalhas de
alcova.

São Jorge de bordel era chamado naquele tempo todo homem que mantinha
a cara de paisagem enquanto desfilavam a um palmo do nariz
iniqüidades, bandalheiras e delinqüências. O filho abandonara os
estudos, a filha se apaixonara pelo cafajeste do bairro, a mulher
vivia arrastando vizinhos para o quarto do casal, o sobrinho furtava
as economias da avó — e a tudo seguia indiferente o chefe de família.
Como um São Jorge de bordel.

Como um São Jorge de bordel sempre agiu Luiz Inácio Lula da Silva. O
advogado Roberto Teixeira nunca lhe cobrou aluguel pela casa onde Lula
viveu durante oito anos. O inquilino fez de conta que nem notou. Em
2002, sobrou o dinheiro que faltara às campanhas anteriores. Lula não
fez perguntas sobre o milagre. Tampouco quis saber quem financiara a
milionária festa da vitória na Avenida Paulista.

Instalado no gabinete presidencial, não enxergou as agudas mudanças na
paisagem. Bons parceiros como Djalma Bom estacavam na secretária do
ajudante de ordens. Entravam sem bater na sala presidencial aliados
como Pedro Correia ou Valdemar Costa Neto. Fundadores do PT eram
expulsos do partido. Roberto Jefferson ganhava cheques em branco.

Sílvio Pereira e Delúbio Soares se tornaram clientes assíduos da casa,
ganharam salas para negociar com a freguesia, assimilaram hábitos de
novo-rico. Lula não ouviu o ronco do Land Rover de Silvinho nem a
barulheira dos jatinhos de Delúbio. Não percebeu que sindicalistas
promovidos a diretores de banco agora usavam gravata borboleta.

Despertado pelo ruído provocado por Waldomiro Diniz, voltou a dormir
depois das explicações sussurradas por José Dirceu. Lula não ouviu o
governador de Goiás, Marconi Perillo, assombrado com a desenvoltura
dos trambiqueiros aliados que tentavam comprar mais deputados. Não
quis ouvir a mesma denúncia repetida por Roberto Jefferson. Não
enxergou a expansão do pântano. Não viu as marcas de lama nos tapetes
do Planalto.

Num prostíbulo de antigamente, a figura protetora desceria da parede
para botar ordem na casa. No Brasil submerso na crise, o presidente só
quebra o silêncio de São Jorge de bordel para berrar improvisos
insensatos. Em seguida, volta ao retrato. Que outros santos nos
socorram.

Passados sete anos, o São Jorge de São Bernardo segue fingindo que de
nada soube, nada viu e nada ouviu. A fila dos mensaleiros condenados
aumenta. Marcos Valério começou a abrir a medonha caixa preta. Pela
primeira vez, uma alta patente da quadrilha confirmou que falta alguém
no banco dos réus do Supremo. Nem assim o chefe da seita se anima a
falar em mensalão. Acha que vai ficar pendurado na parede até o fim
dos tempos. Não percebeu que a farra na zona foi longe demais. Nem
desconfia que a casa pode cair a qualquer momento.

(extraído do Blog de Augusto Nunes)
 

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